dezembro 29, 2005

Dora-Alice

Dora-Alice

Era dor de alma
Era amor abstrato
Era de sonho
O lábio de mel da menina de lua

É verdade Dora,
Eu escrevi sua carta de amor
Na folha da goiabeira
Que você nunca plantou
Com o lápis multicolor sem ponta

Ah, Alice!
Eu temperei a sopa de letras
Com muitas pitadas de desejo e cólera
Mas você era a mentira do meu mistério
Fazendo de mim uma risada boba
Me jogando de boca em boca
E me matando com olhares de rima


É verdade Dora-alice
Eu morri no telhado
Da casa do vizinho
Quando tentei de assalto
Roubar seu coração
Construído a teto e asfalto.

(Priscila Coli)

dezembro 04, 2005

desenho

~End of the Way~
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novembro 19, 2005

poucas palavras

tentativa, erro
tentativa...

vida:

erro. tentativa?

(bruna maria)

novembro 05, 2005

desenho

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Brian e Stefan
Desenho mais ou menos do vocalista/guitarrista e do baixista da banda Placebo o.o'
Não ando fazendo muita coisa... é isso! o/
Bjos pra todos ^^

outubro 25, 2005

Colóquio en famille

Colóquio en famille

Após o jantar.

-paiê!...me dá dinheiro pra comprar bala?
-Você não pode comer bala.
-por que?
-Menino, já não falei que bala faz mal aos dentes?
-por que?
-Porque dá cáries, oras!
-o que é cárie?
-Hum...É quando um monte de bichinhos começa a roer seus dentes.Isso é uma cárie.
-e de onde os bichinhos vem?
-Bom...eles vem...?
-do ar?
-Sim!Eu já ia falar, se não fosse sua intromissão.Eles vêm do ar.
-e você já teve bichinhos na boca?
-Claro...
-Claro que sim, meu filho.Seu pai já teve cáries.
-Silvia?!
-ah!então você já comeu muita bala, né?!
-Ora!não me conteste pirralho!
-Carlos olha a sua pressão!Junior vai brincar, vai!
-Nem no final de semana eu tenho sossego!Será possível?
-Paulinha, aonde você vai minha filha?
-Silvia, a questão não é “aonde ela vai?”, e sim, onde ela pensa que vai a essa hora?
-Vou encontrar com os amigos.
-“Com os amigos!”Faça-me rir Maria Paula!Você deve estar indo namorar algum fedelho que só porque tem três pelos no rosto acha que já é homem!
-PAI!
-Vai chegar de viés, dizendo deleites, te dando carinho, te dando atenção, até que você dá amor, ele fecha o zíper e vai embora.
-Pai eu já tenho dezesseis!Eu SEI me cuidar!
-Eu tenho cinqüenta e dois e ainda mando em você.Não vai e ponto.
-O que?!
-Paula olha o tom, seu pai não pode se exaltar!
-Volta pro quarto agora e só sai de lá quando eu mandar!
a porta se bate em fúria.
restaurado o macro poder, a paz sem voz volta a reinar.

“mas as pessoas na sala de jantar
são ocupadas em nascer e morrer”
(Priscila Coli)

outubro 14, 2005

3º lugar
O Sanatório Geral ficou em 3º lugar na votação no site do Trama Universitário! Para conferir o ranking, clique aqui.
Em nome de todas as integrantes do Sanatório eu gostaria de agradecer a todos que contribuiram com a sua votação ou divulgação! O voto de vocês foi muito importante para nossa medalha de bronze! ;) hehehe
E o que ganhamos com isso?
Além de uma maior divulgação (os acessos aumentaram um pouco), ganhamos os prêmio referentes ao terceiro lugar: kits da Vivo, Natura e da Trama.
Mais uma vez, valeu pela colaboração! E obrigada pela visita de sempre...
Beijos!

setembro 29, 2005

Bu!

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Oláaa! o/
Surpreeesa! XD Gente eu ainda to viva, só sumi por *algum* tempo XD
Minhas atividades artísticas não tão muito ativas, nunca mais fiz nada ><' Mas eu precisava aparecer por aqui de novo por que eu não abandonei nosso Sanatório! <3
Ah um pequeno detalhe, foi a Pri q tirou a foto dos meus tênis que eu editei outro dia \o/
Nha tava com saudades, não posso mais passar tanto tempo sem vir aqui dizer o quanto minhas amigas são talentosas como escritoras *-*~
Bjos pra todos!
~Bia.

setembro 25, 2005

re-continuando (apenas um pensamento)

re-continuando (apenas um pensamento)

o amor um dia me vem aos pés
no outro me bate na cara
e, às vezes, me olha nos olhos

(Priscila Coli)

setembro 21, 2005

as-pirações

sair Dalí
escapar, fugir.

ser semente ideológica:
fonte,
arte
surreal-neo-mitológica.

querer pequenino espaço
nesse novo e congestionado milênio:
- ah, meu deus amado,
antes tivesse eu vindo gênio!

setembro 07, 2005

duas perguntinnhas


só um telefonema. sou um telefonema. soma tele + fonema. fonema pela tv. tudo o que vem sendo dito na tv. tudo o que vendendo é dito na tv. telefonema. tudo ocre vendo fedido na tv. do verbo ver. vendo comércio qual vendo olhar. vendendo ver e olhar. observando comércio vendo voltar. [obs: erva dando comérico - vendo] voltar.
só uma classe. sou uma classe. humana classe dos que sobem dos que
descem.
se dos que sob - em dos que
descem -
é uma classe só que nos separa. e nós: separa. se para seguir aqui só
separando na encolha, fingindo que junta. queijo. beijo. bunda.
só um país. sou um país. brasil. sois um país? só uns brasis. sóis em seus trópicos. lamas de enchentes de outono/inverno [em outras palavras: crise política]. sóis em seus trópicos. lama na memória, tudo se esquece. ama na memória, do que se esquece. mala, ria, tudo se esquece. ["esse" como "sees": inversões - tudo se esquece]
só um cidadão. sou um cidadão. ou somos?

setembro 01, 2005

o perfeccionismo pirou
quando a ponta dos seus dedos
desabotoou a blusa inteira:
ele percebeu que não existia senão impresso em você.

agosto 23, 2005

Meus textos "Acidente de trabalho" e "Casar, do verbo ir morar em uma casa construir lar e família", podem ser lidos no Pessoas do Século Passado deste mês. É só clicar no título do texto que já vai cair no site! ;)

agosto 21, 2005

é insustentável creditar fracasso ao ofício dos dias.
quando me pego pensando em chamas, evito qualquer lembrança-água
porque pensar deve ser feito até o fim - e bem feito.
lamento triturar redemoinhos, ou mixar violinos com rap
é que me sinto tão abismo, tão vazada
que muita gente chega a me dizer que consegue ver através de mim:
não transparência de personalidade, não algo assim.
é que me torno invisível, petisco que sobra na mesa do bar
(ninguém quer comer).
eu evito relacionamentos luz naqueles dias fotossensíveis ao extremo
porque eventualemnte tenho crises fisiológico-burguesas graves
e, estando com a barriga cheia e com roupas cheirosinhas,
vejo que tremo diante de algumas necessidades salivares - muito fracas.
existe um peso sobre os ombros de quem nasceu em certo ano
e geralmente vejo nos olhares dessas pessoas anais
uma trsiteza de dar dó; um calabouço terrível. e eu acenando tchau,
enquanto masco algum chiclete, bubble gum.
procurei nas prateleiras do supermercado o superlativo "felicíssima"
e me orientaram verificar na parte de frios.
havia alguns corações congelados de outrora, e eu até me lembrei dos donos.
mas o superlativo procurado eu jamais achei.

todo mundo tem acessos bestiais e hipotônicos,
alguns dizem que é bom chorar enquanto outros grelham frangos para o almoço.
fico com a segunda opção. porque há tanto choro cristalizado por aí,
tanta gente já chora por mim todos os dias,
(veja os mendigos do centro. e os desabrigados da última enxurrada?
os pivetes colados na cola e tantas outras coisas...)
tanta gente chora sem escorrer uma gota sequer de lágrima,
chora em forma de pés, mãos, tronco, bunda e estômago vazio,
que eu entendo que há coisa mais grave com que devo me preocupar.

ninguém fotografa um paraíso em vida, mas sorri nas fotos que tira;
ninguém precisa dormir em paz só porque há mais tristeza de se chorar,
não.
tolices.

minha maior preocupação é derreter na fila dos outros,
e rastejar por pouca coisa. medo de perder poeira, sabe como é.
sabe...
como é?

a gravidade atonita cerra minhas pálpebras enquanto respiro leite
e bebo gás carbônico, só pra nocautear meu coração.
mas passa.
depois que alguém levanta, do fundo do salão, e estende a mão
eu danço quarteirões infinitos sobre os calos da minha cidade querida.
e lembro de abrir as cortinas quando o sol nascer
para ofuscar os olhos
e banhar meu corpo numa cegueira sem fim.

agosto 12, 2005

Notinha fiscal do amor

Decidiu que escreveria uma carta. Coisa de mão, de letra. Seria mais um registro, mais um documento eterno. Notinha fiscal do amor. Seria a garantia. Não teria recusa, muito menos equívocos sobre o produto. E não era de se espantar a forma como tratava o que sentia. Amor feito copo plástico em aniversário cheio de penetras. (Papelão ainda tinha um valor mais simbólico - alguns artistas se utilizam do material como matéria-prima.) Por isso, era plástico mesmo. Mas longe de plasticidade estética. Era só porque era coisa comum. Mais um produto. E para o tal, emitiria o comprovante, a nota. Depois, assinada, entregaria a carta. E duas pessoas passariam a acreditar no amor. Duas pessoas passariam a acreditar nelas como possibilidade.
Comédia em cartinhas de amor. As impressões digitais na cena do crime. O riso contido perante o ridículo. Amor, ora essas. Mas mesmo assim escrevia, e cria, lia suas letras como verdade. Escreveu a carta. Entregou. Selou um sentimento assim. E anda por aí crente que vive um momento delicioso e verdadeiro. Mal sabe que acaba de cair numa teia inexistente. Mas deixa. O sabor do mel é sempre melhor que qualquer alerta banal...

agosto 01, 2005

sendo muito

não sei por que eu sufoco.
às vezes acordo com a sensação de que o mundo está pelo avesso
e chego a quase nadar em queda livre
diante da chaleira que ferve e me bafora mais um cigarro
de ar.
[reticente]
na minha velhice eu quero poder saltar de um trampolim
numa piscina de veneno.
e escaldar sob o sol noturno das persianas fechadas
para achar algum sentido
alguma coisa que perdi muito antes
em baixo de algumas almofadas do sofá da sala.
[volta]
ai, é que me dói. interjeição de dor é um frenesi hilariante.
eu andei injetando insegurança - doses cavalares -
e caí numa tremedeira pelo chão da manhã,
enquanto as paredes da noite e o teto da tarde desmoronavam
silenciosamente.
[indiferente]
tenho algum medo dentro de mim, falha na alma.
não sei da onde vem tanto vão, buraco, lacuna, espaço
uma montoeira de vazio que empilho na cabeceira da cama
e que, antes de dormir, folheio pra nunca esquecer.
[volta]
meus cinco dedos contam os despertadores que tenho pela casa;
jamais deixo de acordar, mesmo estando tudo pelo avesso e desconexo
e me visto e desço para o café.
[derramada]
quanto mais eu corro em minha direção, quanto mais próximo fica o concreto
eu
(idealizando me sentir entre as palmas da mão)
fico cada vez mais distante daquilo que me preenche
dessa substância densa e... volátil.
[volta]
pra onde mesmo?

julho 25, 2005

Ana Flor

Ana Flor

Às vezes até esquecia, e era sincero. Não pensava duas vezes e sorria. Desistia de ser bruto, e sonhava. Tratava bem as moças que encontrava, oferecia a vaga do carro nos supermercados. Deixava-se agir com facilidade e fluidez, mas isso era só quando ele esquecia.
Era muito atarefado. Fazia de tudo o tempo todo. O cansaço, então, era a maior das suas reclamações. Mas era também desculpa. Alicerçava grosseria em suposto dia exaustivo. Defendia falta de atenção dizendo que era falta de tempo. Dizia que estava emburrado por causa da vida sem ritmo que levava. Mas nada disso era, na verdade, motivo para que agisse de alguma forma desagradável.
Passou a observar melhor isso depois que conheceu Ana Flor. Quando ela lhe disse não suportar seu jeito irritado e bruto, ele parou para ponderar a situação. Mas só porque ela disse. E ele estava bastante interessado nela. Achava que ela era uma mocinha linda, de olhos enormes e convidativos, e cuja companhia muito lhe agradava. Ana Flor ameaçou ficar distante dele. Disse que não suportava gente fria e grosseira. Quase o mandou passear. Mas ele, antes, pediu um tempo para se recompor. E agir tranqüilamente.
Nos dias que seguiram após a conversa com Ana Flor ele tratou de observar como agia normalmente nas situações diárias. Reparou que não dava bom-dia ao operador do elevador. Viu que não se importava com o senhor que deixava o leite fervido em sua porta (não sabia nem como era a sua fisionomia). Terminava as conversas no telefone sempre com um “até”, nunca mandava beijos ou algo que o aproximasse da pessoa que estivesse do outro lado da linha. E decidiu esquecer do brutamontes que ele estava sendo, para poder se desligar dele e não se envergonhar tanto diante da razão imensa que tinha todo o discurso de Ana Flor.
Esquecendo, ele sorriu. Foi procurar Ana. Chegou com o coração aberto. Sentiu que era bom dizer o que vinha em sua cabeça, sem se importar se seria ridículo ou sem importância. Abraçou Ana. Levou-a para uma caminhada no parque. Queria sentir cheiro de flor e mato, fazer algo diferente.
Passou alguns dias se sentindo muito bem, sem olhar para trás, desmanchando em gentilezas. Até que chegou em um ponto em que não conseguia mais lembrar de como havia sido anteriormente. Esqueceu-se por completo das grosserias, da cara fechada, do andar pesado e da falta de paciência. Os dias, mesmo carregados de afazeres, passaram a ser agradáveis e necessários. Precisava acordar cedo e ir trabalhar, se não perdia o jeito. E assim ele foi mudando, até que se perguntou qual era o tipo de poder que a moça Ana Flor tinha para fazer com que ele mudasse tanto.
A resposta não foi imediata mas teve data marcada. Em um dia do mês de maio Ana Flor e ele se casaram. E aí ele entendeu que poder era aquele. Foi sincero, e sorriu.

julho 17, 2005

Fomentar

Fomentar

Comer não come: devora.
Qual um animal doente, me lembra Juliana veados bambos de fome.
Agachada no chão, recolhe com as mãos os farelos de um dia
em que alguém foi faminto. E comeu.
Sobre pés imundos e corpo ósseo, uma carcaça triste,
vejo a menina que se precipita em choro seco e em grunhidos e barulhos.
Tudo é agonia, meio-dia, e tudo é a menina pequena e suja
(distante cria imaginativa do que um dia foi o ser humano).
Come, Juliana, um pão duro e velho mas que é pão.
A morte a come aos poucos e não lhe é nada prazerosa:
dói o estômago, dói o corpo, a cabeça nem pensar consegue; e pesa, na falta de sangue
e excessivo osso e carne fina.
As mãos são como garras sujas e penetradas de terra e triste sina:
levanta Juliana, com dificuldade física e moral, olhando para o chão
fugindo do instinto bruto e imperdoável que a faz agir com tamanha fúria.

A menina nunca pensou em sonho. Nunca dormiu a ponto de ter sonho ou deter sonho.
Faltou sono e brio; brilho bravio que a fizesse leve a ponto de levitar.
Ninguém nunca pensou ser impossível sonhar e sucumbir à simples sobrevivência.
Mas não há trilhas optativas para este tipo de vivência e Juliana, adoecida pela vida,
só vivia pensando no seguinte instante em que mendigaria comida.
Violentada. Com a pressa do tempo que corre e escorre: comida.
Abusada, ferrada, (de)caída.
Juliana se arrasta e se perde e se gasta faminta.
(Um grito):
Esconde a Juliana cadavérica! Joga Juliana para baixo do tapete.
(Sussurrando):
Toma Juliana, toma um canivete. Pega essa gilete. Consiga sua comida.
Pega essa garrafa minta prende a ser humano. Ou humana. A escolha é sua, Juliana.

julho 09, 2005

Pequena estória

Pequena estória sobre uma fatalidade pequena

Ricardo

Alessandra, ridícula, destroçou a minha vida. Saiu do apartamento sem nem dizer adeus. Pegou a bolsa sobre o sofá e bateu a porta. Ela nem pensou se eu sentia. Não recordou um minuto do amor que eu tive por ela, por tanto tempo. Foi fria, indiferente. Disse poucas palavras antes de se irritar e sair. Me deixou em choque e bateu a porta sem dizer que ia definitivamente, sem dizer adeus. Como odeio o que ela fez comigo! Nunca vou me esquecer. Alessandra desgraçou meu coração.

Alessandra

Segui meu rumo, não queria deixar que ele acreditasse que daríamos certo. Nossa vida era sublinhada por uma eterna condição. Uma irritante idéia de condição. “E se esquecêssemos das brigas, dos erros?” ou “Mas se a gente fosse um pouco mais tolerante um com o outro...”. Não! Chega. Ou as coisas são ou não são. Viver de condição é furada. E o jeito apegado do Ricardo...
Fui mesmo embora, depois da última discussão. Mal revidei as acusações dele: faltava carinho, amor e recíproca. E faltava mesmo. Para que insistir então? Me irritei com as cobranças de sempre, parecia que aquele discurso todo seria eterno. Devia ser etéreo, isso sim.
Resolvi sair da vida e do apartamento dele. Sem explicações. Sem dizer adeus. Sem me importar. Não sei se ele ficou ainda mais magoado. Melhor assim. É bom que me esqueça.

Alessandra e Ricardo

- O que foi, por que está me ligando, Ricardo?
- Achei um absurdo a forma como você saiu de casa.
- Quê absurdo, Ricardo? Não podia ser de outra forma, ora.
- Foi grosseiro. Foi ridículo! Nunca pensei que...
- Me poupe dos “pensares” doloridos do fim de uma relação, certo? Acabou, e ponto. Não há nada o que fazer. Você deveria seguir sua vida, Ricardo. Procurar alguém que combine com você e tudo.
- Que conversa fiada, Alessandra! Você quer é se ver livre de mim.
- Que isso...
- Pois saiba que eu tenho raiva de suas atitudes, te acho uma grosseira, uma insensível. Qual é? Pensa que todo mundo vai ser compreensível como eu fui? Não dá, né Ale?
- O que não dá e esse papo aqui prosseguir. Vamos acabar falando coisas que não queremos ouvir. Vamos pôr um ponto final aqui, querido.
- Mas nem conversar...
- Não, nem conversar.
- Ok então. Adeus.

E quando se deu conta, Ricardo se viu esperando a despedida do outro lado da linha. Nenhum adeus. Alessandra desligou, simplesmente.

Ricardo e Alessandra

Ele não aceitou aquela segunda grosseria. Que estúpida era Alessandra. Não se despediu novamente. Não oficializou a despedida.
Ligou de volta. Quis tirar satisfações.

- Qual o problema Alessandra? Por que não se despede devidamente de mim, já que me rejeita tanto? É estratégia ou o quê? Você está achando que vai me ter eternamente? Que hilário, não? É verdade que nunca me esquecerei de você. Lembrarei daquela grossa com quem namorei por um tempo, com quem me envolvi e a quem dediquei algumas juras de amor. Vou lembrar de alguns planos sim, o que tem? E lembrarei dos passeios que costumávamos fazer quando você estava de folga no mesmo dia que eu e quando íamos almoçar fora. É lógico que aquela cena no Jardim Botânico, no dia em que nos conhecemos, vai vir em minha mente de vez em quando, mas eu não vou me importar! Vou lembrar sempre da grossa com quem namorei por um tempo. Que mal sabe se despedir com dignidade de um antigo amor. Que mal sabe o que é amor. E como não sabe sentir, acha que ninguém mais sente. Ah, como lembrarei! E vou espalhar pelo Rio de Janeiro, aliás, pelo mundo, como você é ridícula, sabia? E aí você nunca mais vai namorar ninguém. Ou você pensa que eu sou fragilzinho e vou ficar sofrendo com as lembranças que levarei eternamente de você? Vou ter comigo muita raiva. Vou ter um ódio imenso e, claro, rejeição por sua pessoa. Porque pessoas como você não merecem amor algum. E então eu nunca mais te amarei. Mesmo que eu lembre de você e tudo. Será, Alessandra, que um dia eu te amei mesmo? Ou eu amei o vazio? Vai ver eu amei seu silêncio, já que eu ecoava nele soberano. Você nunca ligou mesmo para mim. Sempre me tratou pelas metades. Nunca foi inteiramente minha. Vai ver foi 100% com algum outro. É, vai ver fui traído. E trocado. E usado. Tolo! Mas não me importa, não. Sempre vai haver uma música melancólica onde eu enfiarei a lembrança de sua pessoa. A lembrança de como eu me sentia inteiro com você e como agora eu já não te suporto. Porque você foi a mulher da minha vida e agora, olha só... agora eu te odeio. É bom que saiba. Alessandra, você está ouvindo?
- Claro, você está falando comigo, ora.
- E você não vai dizer nada?
- O que quer que eu diga? Você quer ouvir as coisas que deseja. E se eu não disser, vai sair por aí dizendo que eu te decepcionei, queimando o meu filme. Mas Ricardo, a gente precisa ouvir de tudo. Ou não ouvir. Acho que agora o melhor é não ouvir.

Ricardo X Alessandra

Ricardo: Alessandra, ridícula, destroçou a minha vida. Alessandra desgraçou meu coração.
Alessandra: Segui meu rumo. Melhor assim. É bom que me esqueça.

E fim de estória.

junho 25, 2005

Às claras

_300 toques_

Às claras

Ela duvidava dos ponteiros.A mulher que esperava tinha angústia nos movimentos.Pensava baixo para não acordar as lágrimas.Eram noites iluminadas.Eram as luas nas quais ele se perdia.E ela, a meia luz, ruminava as marcas de batom.Até que, o barulho bambo de chave na porta embalasse seu sono perdido.

(Priscila Coli)

junho 24, 2005

dos sons

as notas que tocavam
pendiam
como
gotas
e então, comovido pela causa
eu chorava...

da voz

balbuciava seda e rosa
e as cordas
as cordas que emitiam aquela luz
eram somente dela
só dela.

da letra

versando em verso transparente
deixando vagos
absurdos
a letra da canção dos olhos dela
eram a explicação para meu mundo.

da pele

não que fosse seda ou rosa
mas a pela se precipitava e escorria...
tipo
gota
da chuva
e ia chovendo em mim.
e eu escorria...

da boca

versando em prosa e proseando em verso
tudo o que ela dizia me deixava bastante
desconcertado
um calor me comprimia...
e colei nela um beijo falado.

das cócegas

meus dez dedos riram-se todos.
pela barriga dela caminharam contentes
por
um
momento
pensei que estava sendo conveniente.
- deixa de ser bobo!

do coração I - pré

batidas aceleradas num compasso
errado
ela vinha vindo com o vento
vendo todo meu desesperar!
batidas
tum-tum-tum
e pratos de bateria
mal sabe que me arrebataria e me faria
descarrilar

do coração II -pós

riu de mim
riram meu dedos
doeram os segredos
me pus a chorar
pinguei
feito o som
da nota
da gota
no exato instante de parar

da conclusão

virei poça; e evaporei.


(obs.: alguns efeitos de formatação não puderam ser originalmente reproduzidos pelo blogger)

junho 22, 2005

nota

Nota

Minha poesia [todas as palavras do mundo num grito só] pode ser conferida no Pessoas do Século Passado, quando ainda estava sem título - ou quase.
Deixem um "oi" pra mim no site, mesmo já tendo lido aqui? :)

Valeu.

junho 14, 2005

mensagem em palavras subliminares

mensagem em palavras subliminares

eu quero todo o tempo do mundo. quero embrulhar todo o tempo do mundo. usar uma embalagem linda... endereçar. pôr um cartão junto. escrever com a letra mais bonita do mundo o nome dele. e mostrar que eu deixei um pouquinho de mim nele quando ele, sem nem saber, deixou um pouquinho dele em mim.
preciso de todo o tempo do mundo, embrulhado pra presente. papel estridente. daqueles de abrir rasgando, cheio de felicidade...
eu sou teimosa e quero-porque-quero preparar o tempo que lhe falta numa caixinha cheia de afeto, cheia de carinho.
e dar pra ele.
segurar o embrulho do tempo, tão bonito, em minhas mãos. e ofertar-lhe. quero oferecer todo o tempo do mundo pra ele, assim de presente. eu quero que ele tenha todo o tempo do mundo. por isso é meu presente. por isso todo meu empenho nisso.
se ele tiver todo o tempo do mundo... vai poder fazer coisas que me farão feliz. vai me fazer muito feliz. vou poder provar o doce que ele é, e saborear, e saborear... que nem quando ele saboreou a forma como cheguei. ou como disse que saboreou. não importa: foi assim que ele, num instante e em algumas palavras, me fez a mulher mais feliz do mundo.
preciso dar pra ele. dar o tempo que falta, de presente. e dar-lhe um beijo risonho. um sorriso. um abraço. dar um tempo que não existe mas que paradoxalmente deixa que ele ainda seja doce. meu próprio doce.
dando um presente para fazer um presente delicioso. e me dar um presente.
parece que mais uma vez a incansável maestria egocêntrica me bate novamente. um presente pra ele, só pra me presentear.
por isso eu perco o tom, e perco o ritmo. descompasso em agudos, graves, surdos...
é isso que é o gostar. é o gostar próprio. é o se fazer sentir bem, em primeiro lugar.
me importa agora um pouco de racionalidade já que o presente em que costuro essas palavras é a impossibilidade do presente que tanto desejo dar...
um pouco mais de tempo pra que tudo na vida seja fábula. pra que eu possa escrever uma história nossa. pra que eu possa contar delírios como este.
se um dia algum panfleto perdido numa rua movimentada indicar, discreto, que há como eu comprar mais tempo - ou vender a falta dele? - eu sairei correndo
e corroendo de ansiedade.
só pra presentear. eu e ele. com tempo.
só pra eu ser feliz. eu. e ele...
mais tempo!

junho 12, 2005

sem titulo

(sem título)

cintura, uma simples gota d’água é lupa
sobre teu corpo convexo.
minha mão tateia em busca do meu elo,
meu ego perdido, distante...
no dissipado momento-instante do abrir dos olhos
eu verei refletir como num quartzo algumas cores;
culpa da incidência da luz
e da indecência de corpos e cosmos nus.
duelo de fatores.
você em corpo - não em alma - sobre lençóis,
sobre amores...
não compreende uma palavra dita, não se interessa.
não quer saber: irrita e se apressa,
graceja e sem que eu peça
pura e simples, me evita.

junho 03, 2005

[todas as palavras do mundo num grito só]
[todos os gritos do mundo numa palavra só]
[o mundo todo em gritos e palavras]
[seu nome]


gostar não foi feito pra se conjugar no silêncio,
por isso gostar é o único verbo que se propaga no vácuo.
todo mundo que gosta de alguém
precisa dizer pro alguém que gosta
e também o quanto gosta.
[quer e precisa dizer]

pois não sofre aquele ser que gosta calado?
que conjuga em silêncio?
esta é a maior prova de que gostar
é verbo especial e deve ser ouvido:
deve ser sempre vendido com amplificador embutido
no preço.

maio 18, 2005

Crônica de um monólogo a dois

Crônica de um monólogo a dois

-Alô.
-Alô.
-Poderia falar com a Ana?
-É ela...Quem fala?
-Oi, Ana!É o André, lembra de mim?
-Lem...
-Nós estudamos juntos no segundo grau, quanto tempo?!
-É, nós...
-Achei por um minuto que você não fosse lembrar.Mas, que ótimo que lembrou!Sinto saudades suas, das nossas conversas.Ah, os nossos papos!Bons tempos aqueles.Acho que faz uns três anos que não nos falamos.Como você está?
-Eu estou bem, e v...
-Eu estou muito bem agora.Mas, havia passado por alguns apertos financeiros e psicológicos.Tudo começou quando o marido da minha mãe arrumou outra.Os ânimos estavam calmos até ela descobrir tudo.A velha ficou louca de raiva e resolveu pedir o divorcio.Fomos morar em outro lugar e ela passou a pagar as contas sozinha.Acontece que o dinheiro que ela recebia de salário não era o bastante para suprir as despesas, sobrou para mim, né?!Tive que pegar no pesado.Fui trabalhar com o tio Oscar, aquele da pinta no nariz.Ele me colocou na labuta diária da oficina, lugar onde eu em meio a latarias e graxas ainda tinha que ouvir as reclamações rabugentas do sargentão irmão da minha mãe.
-Hum!
-Ah, sim!Você deve estar se perguntando “e os problemas psicológicos?”.Pois então, como se não me bastasse tudo isso meu pai resolve aparecer vindo do nada depois de dezoito anos.Minha cabeça ferveu como deve estar imaginando.
-I-ma-gi-nan-do?...Claro.
-Foi terrível, mas já passou.Tudo passa, não é?Agora posso respirar aliviado.Mamãe teve o salário aumentado após uma promoção.Sendo assim, larguei aquele emprego fétido.Comecei a estudar seriamente e passei finalmente, depois de dois anos tentando, para Administração.Não é legal?
-S...
-Ainda por cima o papai sumido começou a me pagar uma mesada.Mamãe acha que ele só faz isso para “posar de bom moço”.E quem liga?O importante é que está me fazendo muito bem esse dinheiro.Agora eu acho o mundo muito mais bonito!...E você, como vai a faculdade?
-Eu passei para...
-Sim!Geografia, o Rafa me contou.Não acho que seja a melhor profissão a ser seguida por você.O seu perfil combina muito mais com Informática.Se bem que não era o seu hobbie mexer no computador, era?
-Bom, realmente...
-De qualquer jeito tudo tranqüilo.Um dia você encontra seu caminho como eu encontrei o meu.Sabe às vezes me sinto ímpar em relação aos outros seres humanos...E seu irmão como está?
-O Bruno casou com a....
-Laiz.Eu sei encontrei com eles outro dia.Casal prosaico, não?Tomara que essa união de certo, com tantos desquites onde vamos parar?!...Mas Ana, fala alguma coisa você está tão calada!
-Haha!Claro, calada?!
-Fale-me sobre a vida.
-Eu ando fazendo uns cursos e continuo tentando programar aquela viagem...
-Ana desculpa te interromper querida, é que preciso desligar.Sou um homem atarefado agora.Mas de qualquer forma foi muito bom conversar com você e principalmente ouvir sua voz.Até uma próxima.Beijos.Tchau
...
(Priscila Coli)

maio 16, 2005

onde até o inferno é doce

Onde até o inferno é doce

Não contava receber diretamente do inferno um telegrama com um acordo pré-nupcial – o assunto vinha escrito na frente do envelope. Estaria ele morto? (Dentro de seu raciocínio somente os mortos tinham acesso credenciado ao inferno, podendo entrar e sair de lá a hora que bem entendessem.) Ou vivo? (Inferno pode ser modo de dizer. Se alguém, por acaso, esqueceu de empregar o diminutivo nesse substantivo abrasado, certamente este inferno era aquele outro, aquele das putas e das bebidas.) Ou estaria ele – pior! – morto em vida? Vivo em morto? Demasiadas explicações sobre o estado da matéria humana para que aceitasse ser o receptor do telegrama infernal.

Um telegrama vindo diretamente do inferno, mas que diabos (!) seria aquilo? E que história absurda era aquela de “pré-nupcial”? Quanta bobagem, meu deus – com o perdão do uso. Quanta bobagem!

Foi que dali, do local onde foi atingido pelo remetente do Cão, resolveu ir sentar os pensamentos na poltrona mais próxima, ainda com as articulações do raciocínio bambas. Se alguém quis mexer com o homem, atiçá-lo de alguma forma, conseguiu com êxito. Com o envelope ainda lacrado, ele lançou no mundo um suspirou um pouco trêmulo. Ele suava a sua curiosidade e engolia, na saliva seca, todo o seu receio.

Pra quê tanto medo, se era batizado em três religiões e só levantava da cama depois de se benzer três vezes? (Três era número de sorte; tudo o que ele fazia tinha esse ímpar no meio.) Logo respirou fundo, contou até três e deu três estaladas de dedo antes de verificar o conteúdo do telegrama. A coragem do homem o saudou.

Telegrama aberto. Pés delicados sobre um salto alto. Tornozelo – ele adorava tornozelos! Pernas bem torneadas. Uma saia... uma pequena saia. Pelos longos e negros cabelos ele logo pôde perceber: era Maria Luiza que atravessava a rua calmamente, sem sequer notar que ele estava no carro esperando o sinal vermelho ficar verde. Era ele, recebendo telegramas daquele sujeitinho que aposta na difundida afirmação de que a carne é fraca.

Ora veja que astúcia! Enviar um telegrama assim em forma de mulher, em pleno trânsito, e ainda explicitar que o conteúdo era pré-nupcial. Logo ele que não queria núpcias coisa nenhuma. Se bem que Maria Luiza... essa era pra casar e fazer tudo bem direitinho.

Maria Luiza foi passando devagar em forma de mensagem escrita: ela era as letras do telegrama; era, ao mesmo tempo, o significado da mensagem e a forma como a mesma se manifestava. Ela era tudo. Maria Luiza foi passando devagar... até que passou.

Telegrama lido, queimou feito a brasa enviada pelo remetente danado. Ele não estava morto – imagina se um morto ia sentir tudo aquilo que ele sentia ao ver a bela moça desfilar na passarela de asfalto? Também não estava vivo: como dizer-se vivo sem ter nos braços aquela doce amada? (Romantismos também afloram no ápice do amor carnal.) Estava ele morto em vida? Ou vivo em morto? Não, forte demais! Ele estava, apenas, um pouco apaixonando.

maio 06, 2005

Transparências e molduras

Transparências e molduras

Mandei encomendar cortinas novas, meio bordadas e com alguns babados. Alguns diriam que era exagero meu, chamariam minha preocupação de desnecessária. Mas, desde a primeira vez que eu vi aquelas janelas, ouvi seus apelos estéticos pedindo que eu lhes encomendasse cortinas novas e lindas, que esvoaçassem ao entardecer.

A minha preocupação em vestir a entrada de luz da sala ocupou alguns dos meus dias. Saí em busca do melhor tecido, a melhor qualidade, a melhor aparência. Não havia preço que desanimasse a minha busca: quanto mais caro, maiores seriam as chances de encontrar o tecido ideal. Pagando um alto preço eu também teria minha preocupação expressa em capital e eu ficaria satisfeita.

Depois de percorrer quase toda a cidade, encontrei um tecido lindo e comprei-o de imediato. A necessidade seguinte era a de achar, então, uma costureira brilhante.

Observei anúncios em jornais, placas penduradas em portões das casas simples. Observei o boca-a-boca das vizinhas, as experiências de minha mãe, as indicações de algumas amigas. Analisei cada indicação, me preocupando em encontrar mais que uma ótima costureira: um local agradável onde meu tecido ganharia vida. Os metros de pano não poderiam ser tratados com descaso, muito menos pernoitar em um ambiente pouco aconchegante. A costureira deveria ter um ateliê especial.

Após alguns dias de buscas encontrei enfim Janaína, uma costureira simpática e velha que me foi apresentada por intermédio de toalhas de mesa bordadas com todo o capricho na casa de uma amiga minha. Janaína sorriu espontaneamente nos primeiros cinco minutos de conversa que tivemos. Essa era prova final de que eu tinha encontrado a melhor costureira para fazer as minhas cortinas.

Tive que esperar alguns dias para que a encomenda ficasse pronta. Eu sempre fazia questão de recordar as instruções que Janaína havia recebido: os bordados, os babados e as sobras de tecido que deveriam ser entregues a mim, afinal de contas, aquilo havia me valido muito.

Durante esses dias de espera não pude evitar minha atitude ansiosa de retirar as antigas cortinas, fazendo com que as janelas pressentissem o futuro próximo de suas roupagens. As cortinas velhas estavam tão desgastadas! A velhice que pendia dos tecidos já finos indicavam de leve o tempo que eu havia ficado privada de olhar pela janela. Os tecidos empoeirados aguçavam minha alergia, que não era física: tinha uma procedência distante, não era palpável. Era um pouco abstrata.

As cortinas velhas nas mãos! Tão velhas pelo uso, desgastadas ao extremo. Não conseguia me lembrar de tê-las removido da frente da janela por completo em algum dia. Dobrei-as com carinho e coloquei-as dentro de um saco. Já não mais me serviam como antes. Era hora de jogá-las fora.

Era pitoresca a vista da janela nua numa mescla dos meus anseios em vê-las cobertas. Eu podia ver o caimento do tecido bordado e com alguns babados, pendendo uma beleza elementar desde o teto até quase o chão. E quando o vento da tarde batesse, elas se moveriam como se fossem um vestido de seda leve, me trazendo algum tipo de atmosfera lúdica e inebriante. Em contraposição a essa imagem ansiosa, eu via em minha frente a linearidade do concreto que era a janela desnuda. Tão incômoda! Retangular, seca e parecendo um quadro vivo, uma pintura em movimento sem graça: pessoas apressadas andando na avenida, carros e ar poluído circulando pelo asfalto.

Passaram-se uns quinze dias de janelas transparentes até que as novas cortinas ficaram prontas. Eu estava ansiosa para ver o resultado. Logo fui buscá-las para fazer a prova em casa.

Janaína me recebeu simpática como da primeira vez. Eu lhe entreguei a remuneração e ela, as cortinas. Disse que se esforçou para fazer o melhor trabalho e eu acreditei. Fui correndo para a casa, subi as escadas do prédio onde morava esbaforida. Adentrei a sala, tirei as cortinas da embalagem que Janaína havia as embrulhado e as estendi no chão.

Como eram lindas as cortinas! Muito mais belas que na minha imaginação amadora. Perfeitas, delicadas, caprichadas. Eram cheias de detalhes que só uma observação detalhada permitiriam captar toda a graça da costura e do tecido.

Elas ficaram algum tempo estendidas pelo chão. Meu pensamento vacilava. Os quinze dias de espera com as janelas nuas me fizeram acostumar com a pintura sem graça dos dias. Cobrir aquele quadro do qual eu também fazia parte soava-me de forma bastante incômoda, porém inexplicável. Inexplicável. Talvez eu não quisesse mais ser uma personagem lúdica.

Passadas algumas horas, reconheci que todo o esforço para conseguir as melhores cortinas teria sido em vão caso eu não as usasse. Por isso tratei de as pendurar com toda a dedicação e fiquei encantada com o resultado final. Lindas. A sala parecia um palacete particular.

Por fim, para atenuar meu incômodo, não fiz como anteriormente fazia e abri as cortinas ao máximo, deixando que o quadro em movimento ficasse bastante visível.

As cortinas devem ser só um detalhe, pensei. As cortinas devem ser a moldura do quadro em movimento.

abril 27, 2005

mecanismos

mecanismos

chegou discreta:
saudades, assim do nada
sentida sem cheiro
fazendo lembrar o velho tempero.
um movimento de telepatia
degustando certa compaixão:
sentindo o que ela sentia
eu vomitei meu coração.
como pude permitir
que brotasse em sentimento
na saudade angustiande
daquele delicado momento!
como pude admitir
fecundar você: tormento;
não entendo os mecanismos
que vão e vêm no vento.

abril 06, 2005

Narrativa um

Narrativa um

Existe um juízo no corpo que jamais permite perda como palavra final. Por menos razão que você tenha, o juízo insiste em articular argumentos que te reservem alguns segundos de embate psicológico com seu até então vencedor oponente. Bobagens da máquina humana. Orgulho cristalizado, pontiagudo, pronto para ferir quando for preciso. E por conta disso, misturado ao suor das minhas mãos, a tremedeira no couro que protegia a pequena faca que eu levava no bolso, sacolejava meu pensamento em uma só direção. Algumas poucas aulas de biologia indicaram-me que o alvo seria na altura do peito, um pouco para a esquerda, mas não totalmente. Eu queria ver o esguicho rubro do sangue, queria ver o líquido ainda vivaz jorrar. Senti-lo quente enquanto o homem que desafiou minhas faculdades fosse esfriando, os olhos virados, os gemidos de dor e morte. Minha mão contraía-se a cada pensamento sanguinário que bombardeava minhas intenções futuras. Minhas células já trabalhavam a mil por hora. Meus nervos estavam notoriamente mais sensíveis. Eu comprimia aquele couro já úmido, protetor da pequena faca afiada. Com os dedos ia retirando lentamente a faca de dentro da sua proteção. Meus olhos eram tão fixos, secavam o sujeito à minha frente que seria muito em breve vítima de si mesmo. Olhávamos um nos olhos do outro. Eu não podia saber o que ele tramava. E nem ele podia imaginar ter de providenciar um funeral. Eu olhava sem quase piscar porque via no rosto do rapaz o passo-a-passo da ação que eu executaria com sucesso.
Sem tirar os olhos de cima dele, caminhei como se me redimisse. Afinal, eu só estava ali por tê-lo desafiado. Querendo provar minha capacidade de lidar com os negócios postos, por ele mesmo, em minhas mãos e em menos de um mês fracassados, resolvi convidá-lo para um duelo. O vencedor, caso fosse eu, teria suas dívidas perdoadas; se fosse ele, teria as dívidas pagas. Atracamo-nos pelo chão e depois de alguns doloridos socos no estômago, eu decidi aceitar a derrota. Mas depois que o sangue esfriou e o valor da dívida monetária e moral me estalaram na cabeça, optei pela solução de exterminar o homem.
Fiquei a dois passos dele. Nos segundos de controlada tremedeira, puxei do bolso a faca já sem a capa de couro e executei-o olhando em seus olhos, a sangue frio, como desejei. A faca ficou imunda. Limpei-a na blusa do falecido. Senti meu corpo latejar, como se meus batimentos cardíacos tivessem acelerado e a pressão sanguínea aumentado. Deixei passar algum tempo até que decidi levantar-me e empurrar o cadáver do sujeito para baixo de uma mesa que havia no local.
Lembro-me de ter pensado que não sabia que sangue podia ser tão denso. E como me faltava um maço de cigarros, pus minha faca em sua devida proteção no bolso e saí em busca de algum. No caminho encontrei a mulher do falecido, já viúva mas ainda inconsciente. Ela me cumprimentou e perguntou pela minha família, em especial pela minha mãe, muito amigas. Eu lhe disse para passar na minha casa para fazer uma visita e ela aceitou prontamente. Ela parecia meio vadia e ali eu já começava a planejar que depois da diversão na cama eu lhe executaria com muito amor, muito afeto. Com o dinheiro economizado no não pagamento da dívida eu até poderia lhe providenciar um enterro.

abril 01, 2005

Confissão

Confissão
Olhar finito.Mente perdida.As mãos, parte mais verdadeira daquele corpo-objeto, não param o movimento frenético.Arrancam com certa raiva pesarosa o esmalte velho.Dedo a dedo.Espelho de uma alma inquieta.Alma esta, que se esvai a cada batida do coração.Como que despertasse de um sono, avista o relógio.Sem notar a hora marcada pelos ponteiros percebe que para ela já é tarde.Olha então para os lados iguais daquele cômodo procurando encontrar algo que chamasse atenção o bastante para deter seus obscuros pensamentos.As paredes eram de não.Eram brancas pálidas e opacas.Desconheciam vida e data.A transtornavam.Talvez isso lhe trouxesse aproximações obvias, porém indesejadas com o seu estar.Tenta achar em meio ao seu turbilhão de emoções teses filosóficas que pudessem tornar a cena menos subjetiva.Mas, sabe que não existem e nem ao menos adiantaria tecer proposições, pois desconhecia as palavras. Sua sabedoria e seus porquês foram atirados pela janela. Não tinha mais história.Seus sorrisos, tantos sonhos, desperdiçados em noites ébrias.A cabeça latejava.Fazia frio no lugar.Era inverno naquele ser.A mulher que não reconhecia o corpo físico que a abrigava puxa com franqueza descomunal a coberta da cama.E quando levanta o pedaço de pano na altura do rosto sente o que negava agora ter existido.Era o odor do amor que se pôs.Lembrava das noites amantes em que se sentia viva.Do calor do encontro.Lembrava do teto por onde se podiam ver as estrelas hoje pagadas.O brilho dos olhos daquela pessoa também havia nublado.Provou do sabor do nunca.Sentiu o gosto amargo da porta que bate furiosa.Essa recordação e a certeza da dor fez com que uma lágrima teimosa lhe molhasse a face.Essa gota turva gritava.Rasgava o deserto cinza de um olhar morto.Matava a impassibilidade de um ser inerte.Confessava o que o espelho tinha medo de olhar: Fazes-me falta.
(Priscila Coli)

março 26, 2005

Bastidores

Bastidores

Pensou em morder a azeitona, cuspir a carne verde e salgada e manter o caroço na boca. Com os dedos manejava o palito que havia conduzido aquele oval e esverdeado petisco à boca, ia fazendo uns desenhos no ar, na mesa, e ficava cada vez mais complicado para os olhos da moça acompanhar aquela seqüência de movimentos.
O jantar havia sido feito em completo silêncio. Não havia intenção de evitar assuntos desagradáveis em uma hora sagrada mas estava na atmosfera do bar os estilhaços de verbos de uma discussão que precedeu a refeição. O ar estava cortante e inspirar era, por vezes, dolorido. Manter o silêncio incomum era como estabilizar o clima. A iminência de um novo e amplo mal estava ali instalada e um soluço de ódio poderia ser fatal.
A moça olhava para suas próprias mãos. Observava as unhas, o esmalte, as frases ditas minutos antes. Ela não suportava nem mais uma garfada de comida, tamanha a indisposição emocional. E ele, como se soubesse que irritava daquela forma, mantinha-se alhures com um caroço imbecil de azeitona na boca.
Como ela não o encarava diretamente (tinha propositalmente apenas uma visão periférica de seus movimentos) não conseguia saber se a conta seria pedida ou não. Ela precisava ir para casa refugiar-se daquele casal que encenava um jantar, com falhas atrozes de atuação. Tudo o que a moça desejava era esconder-se em seu quarto, esconder-se do mundo, já que este tinha olhos similares aos dela e reprovavam aquela situação deplorável de duas pessoas que, nem juntas e nem sozinhas, e a essa altura, eram capazes de ser uma unidade. Fosse lá um par, ou o que quer que seja. Ela sentia vergonha mas ele parecia alheio a todo rubor da moça, ele e o caroço da azeitona.
Mais de uma hora já se havia passado e nenhuma palavra foi trocada. As mãos já não interessavam mais à ela. O incômodo dela era visível. Ele, porém, permanecia com o caroço na boca, manipulando o palito no ar, incessantemente. Ele não olhava para ela, em momento algum. Ele estava preocupado com a uniformidade do manejo do palito naquele que era seu ritual particular de prova para ver até onde o sangue frio da moça ia.
Um garçom, preocupado com a demora do casal sem mais consumações no bar, aproximou-se devagar e perguntou se eles desejavam algo mais.
O silêncio, agora a três, pareceu mais profundo e contorceu o estomago do casal. A atmosfera trincou e, ruidosos, os cacos afiados penderam ali. Penderam mas não caíram de imediato. Qualquer movimento em falso marcaria um corte substancial em alguém; qualquer palavra mal colocada ecoaria aguda e dolorida por horas nos ouvidos daqueles presentes.
O casal, enfim, se olhou nos olhos. Ele parou de movimentar o palito, repousando-o no prato, e cuspiu o caroço da azeitona. Ela olhou como se buscasse o infinito que certamente não estava ali. O infinito não seria medíocre como aquele par de olhos. Pelo menos ela havia crescido esperando muito mais dessa amorfa concepção de unidade, espaço, tempo. Ele só olhou.
O garçom insistiu na pergunta, agora um pouco mais sem graça que o natural. Desejariam eles algo mais?
- A conta., disse ele.
A moça esboçou um sorriso debochado e doído, levantou-se da cadeira e atirou o guardanapo sobre a mesa. Foi se dirigindo à saída do bar. Ele permaneceu sentado à mesa, agora apoiando o queixo com a mão direita, como se pensasse algo relevante.
A conta veio, ele pagou e deu uma gorjeta para o garçom. Demorou algum tempo para retirar-se por completo do local. Foi caminhando vagarosamente até o estacionamento, onde avistou a moça parada na porta do carro.
Voltariam, agora, para casa. Após um bom banho, dormiriam e nada mais seria lembrado. No dia seguinte estariam prontos e novamente dispostos a seguir seus respectivos roteiros. A continuidade de suas vidas era fundamental.
Apesar de tudo, ambos se cumprimentaram com um tradicional “Boa Noite” e dormiram aparentemente em paz.

março 07, 2005

oito de março

oito de março

serpente. navalha.
mulher decadente no canto da sala
mulher que desfila sem corpo, sem alma
mulher que é inferno, cadáver na vala.
mulher que é de lama
explana
e falha.

março 06, 2005

Entrelinhas

“E se acabou no chão feito um pacote bêbado”
/Caiu sem romantismo.Caiu rápido.Caiu como estrela morrendo.Brilhou depois do fim.Quebrou o asfalto com seu corpo duro.Pos em prática princípios físicos e matemáticos.Morreu com medo.Morreu vazio.Morreu assim.Por milésimos ofuscou o transito caótico.Por milésimos deram-lhe atenção pessoas que seguiam seus caminhos.Pessoas curiosas.Pessoas cujas vidas não se entrelaçam.Não que se importassem.Não que lhes provocasse lágrimas.Mas, era feio.Era em meio.Era estorvo.Assim, acumulava gente.Formava fila.Visão faminta querendo enxergar de perto mais uma tragédia.Cotidiana.Similar.Os mesmos finais combinados com a variação limitada de causas iguais. As mesmas frases de depois.São as almas de sempre vendo a pessoa de nunca.Só o tempo que passa não observa, mas leva o espanto dos olhos adestrados.Pernas caminham novamente.É mais um indigente.É mais um corpo só.Que não virou novela.Não virou reportagem.Virou estatística.Virou música.Virou banal./
“Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado”

(Priscila Coli)

fevereiro 27, 2005

Mãos

Mãos

Vi algumas mãos reunidas. Umas em grupo, outras em dupla semeando o que há de mais belo entre o estado único dos casais. Algumas mãos caminhavam solitárias também, fazendo com que o frio da praça úmida gelasse ainda mais meu coração. Outras mãos apenas acenavam como se estivessem a despedir-se de algum par de mãos saliente que teimava em sair dali. Uma mão trajava um pretinho básico: luvas de couro; me disseram que é última moda em Paris.
Veio com a corrente de ar que queimou de leve minha pele curiosa: e as mãos que estão do outro lado do mundo? Paris me faz lembrar o outro lado do mundo. Talvez sejam mãos mais sujas. Ou serão essas mãos vítimas de preconceitos culturais?
Sendo vítima a palavra de ordem, apanhei de mãos calejadas vindas da África. Mãos duras, ásperas, não por vontade própria. Algumas andam em par, outras teimam em nascer; mas a imagem que me chega é de mãos sofredoras, de uma forma ou de outra.
Voltando à praça, locação física de minha mente. Crianças têm mãos inquietas que entram nas bocas, cavam o chão, acariciam cachorros. Como faz frio, nenhuma dessas mãozinhas se atreve a sair do bolso dos casacos. Há também mãos amadurecidas, por dentro ou por fora, que se preenchem de inquietação: é ver moça bonita passar que a mão já quer se manifestar. Tudo no bom sentido.
Vejo uma mão servindo de lenço. Seca as lágrimas que jorram dos olhos da menina. Que mal terá sido capaz de ferir o harmonioso conjunto de feições da menina, causando-lhe tão espontâneas lágrimas? Alguém lhe oferece ajuda. A mão, com notório desânimo, faz sinal apontando que é desnecessária a preocupação.
Luminosidade demasiada no céu de inverno. Mas como? O sol agora dorme e libera o palco para as nuvens cheias de sentimento doce e ameno. Com algum esforço posso reconhecer a claridade: é um coração cheio de amor lançado ao ar, aparentemente sem dono. E, saindo apressado de perto da chorosa menina, vejo um par de mãos ligeiras buscando esconderijo. Mãos de um meliante de sonhos e paixões. Em um só golpe no peito da menina que agora secava em lágrimas, roubou-lhe o coração por inveja e o atirou para o alto. Encheu o céu de amor mas esvaziou a pobrezinha. Consciente do erro, o ladrão lavou as mãos e acenou um adeus murcho.
Ninguém aplaudiu.

fevereiro 20, 2005

Indução

Indução

E quando já não se sente?
Quando o frio invade
Calando a boca que já não ouve
E quando já não se enxerga?
Quando os olhos dormentes se fecham
Fazendo sumir a realidade
E quando já não se pode mover?
Quando os pés já não andam
E as mãos já não tocam
E quando a dor já não chora?
Quando o coração já não bate
É quando o infinito se aproxima
E o finito se acaba
E quando já não se é?
Quando se perde o sentido
Matando-se indivíduo
É quando se morre.

(Priscila Coli)

fevereiro 18, 2005

O outro lado do amor

O outro lado do amor

Desconheço, desconverso, pelo avesso
desconexo,
debochado, defasado, que espreita
demorado,
de manhã, de qualquer jeito, desleixado
depravado,
desculpado, degolado, despropositado.
Pelo avesso é tudo igual:
um que espreita o outro
num desleixo de amor;
um que bate, outro que apanha
no despropósito da dor.

fevereiro 03, 2005

No departamento

No departamento

O trabalho às vezes pode ser exaustivo e desgastante mas, por ser necessário, acaba se tornando uma atividade suportável. Tenho muitos amigos que alegam que não trabalhariam nem uma hora sequer caso possuíssem um patrimônio enorme ou coisa que o valha. Bastaria ter algo que garantisse a sobrevivência pelo ócio e o trabalho não se encaixaria na vida de nenhum deles.
Foi pensando nisso que eu ouvi apática o sermão que o chefe do departamento me dava, aos berros, já que ele provavelmente deve ser um infeliz e somente nesses efêmeros minutos de autoridade sente algum tipo de prazer desconhecido. Nessas horas é que eu me lembro de ver minha mãe chegando exausta do trabalho, com um mau humor agudo, laconicamente acabada; geralmente culpa de chefes desse tipo. E aí ela dizia que o dia havia sido ruim, que seu chefe havia passado dos limites mais uma vez, mas que era assim que as coisas deveriam ser naquele momento. Depois ela arranjaria algo melhor, não agora; a cartomante havia dito que a sorte estava próxima porém era preciso um pouco de paciência para saber o momento certo de agarrá-la com as unhas (mal feitas, diga-se de passagem). Eu pouco falava sobre isso. Eu, sentada na frente da televisão, sendo absorvida pelo conteúdo televisivo da mesma forma – ou mais – como eu absorvia meu macarrão instantâneo meio morno.
Quando eu me levantava para lavar a louça e minha mãe já havia relaxado um pouco, eu perguntava sobre como seria o seu dia seguinte. A resposta não variava nunca: o dia seria no escritório e tudo dependeria do seu chefe. E aí, para estragar tudo, eu dizia que o chefe não era seu chefe mas sim chefe do departamento. E que era por essa submissão consentida, implantada sutilmente no discurso não só dela mas de todos que com ela trabalhavam, era por isso que ela mal conseguia enxergar os abusos do chefe, a carga horária excessiva, essas coisas. Então eu era mandada imediatamente para o quarto e a noite acabava para mim.
Tudo isso me borbulhou na cabeça enquanto o chefe falava, falava, pegava ar, e falava. Quem estava por perto até achava que eu havia cometido um crime imenso, traído a empresa, desviado dinheiro para o caixa dois. Mas não era nada de importante; não a ponto dele desperdiçar tanto tempo com a minha cara de idiota. O meu erro havia sido ter apagado um arquivo de extrema importância para o departamento mas, como o chefe mesmo disse ao final do sermão, sorte que aquele escritório ali era de um alto nível tecnológico e trabalhava juntamente com as maiores empresas de ponta. Ou seja, havia alguém capaz de recuperar o arquivo perdido. Dizia o ranzinza chefe que aquilo, aquele sermão todo, era para que o erro nunca mais voltasse a ocorrer. E minha língua coçava para dizer que aquilo, aquele sermão todo, era para ele se sentir um pouquinho melhor perante aos funcionários do departamento que, apesar de submissos nas relações de trabalho, eram extremamente autônomos em suas relações sociais.
É aí que eu revejo os pensamentos daqueles amigos que adotariam como causa maior o ócio, caso fossem milionários. Tantas coisas passam pela sua cabeça durante uma bronca banal dessas, e tantas palavras se formam prontas para explodirem em ironias para precisos destinatários que, só a ameaça do monstro-desemprego nos faz calar a boca, ficar apática e fazer cara de tonta diante de um chefe estressado assim.

janeiro 26, 2005

Pedido de sim a boca de não

Pedido de sim a boca de não

Assim como quem indaga o corriqueiro perguntei, “quer se casar comigo?”.Não permaneci de olhos abertos para, tentando eternizar o instante, escutar os infinitos ecos de resposta.Esta, que não veio de pronto, pois o silêncio de interrogações tomou-me por completo e espalhou-se pelo interior do automóvel.Abri aqueles que se haviam fechado instintivamente e me deparei com seu rosto estático de cera.Ela olhou para cima tentando encontrar palavras no teto do carro.Passou a língua fresca, ainda com restos da minha saliva, sob o lábio superior.Pestanejou sem lágrimas e como num súbito ressuscitar penetrou os olhos verdes na carne fria do meu rosto.“Eu não estou pronta”, disse ela com um sorriso de viés.Sem nenhum pesar olhou para frente.Olhou para estrada que nos levava à um infinito indigesto.Não sei bem qual foi minha expressão externa, mas surreal e visceralmente o universo havia começado no exato instante que tentei copular com Marília pela primeira vez.Já estava atuante quando...”não amor!Estou com enxaqueca”...Pensei, agora, em oferecer-lhe uma aspirina e depois de cinco minutos mostrar-lhe as alianças.Peças raras de ouro, passadas de geração em geração pela minha família que por um terrível acaso pensado doíam em meu bolso.Talvez lhe comprar o coração fosse uma alternativa plausível e menos vexatória.Possivelmente diria que sim e aí então eu pegaria de volta o rosto protocolar -ou seria máscara?- que havia caído com seu não eufemístico.Mas, no momento que fiz menção de pegar a caixa, ela abriu a porta e sem olhar para trás e lançou a mim um breve aceno.Disse “agente se vê”.Qual em uma cena eu joguei no ar um “eu te ligo”.Ela deu passadas largas e rapidamente chegou ao destino-casa.Fiquei um tempo a observar o portão do apartamento agora vazio de significados, percebendo que meu peito a ele se igualava e sentindo que ao contrário de você, Marília, agora eu estava pronto, sem enxaqueca e precisando das aspirinas.

(Priscila Coli)

janeiro 22, 2005

Número de moradores de rua lunáticos aumenta. Autoridades atribuem às bebidas e às drogas.

Número de moradores de rua lunáticos aumenta. Autoridades atribuem às bebidas e às drogas.

Não acredito que o jornal veio em branco novamente. Será que não há mais notícias a serem publicadas? Essas folhas vazias ouriçam meus pêlos todos em pavor extremo e sem aparente causa. Ausência de letras, como me dói! Ausência de fotos, legendas e publicidade barata. Ausência de gente. Sinto-me com vendas translúcidas nesses olhos, anulando a tinta negra das impressões diárias. Como me dói! É como se o mundo tivesse parado. É como uma cena narrada em off. Mas não há voz, não há palavras, não há ninguém.
As gotas que despencam do chuveiro estão congeladas em fragmentos no ar. Parecem cristais puros refletindo o tímido feixe de luz que cisma em entrar pelo basculante do banheiro. São raios de luz que se esgueiram entre as bravas nuvens cinzas e conseguem perfurar minha atmosfera delgada e sem sal. Não consigo me molhar. Caminho a passos largos e desesperados pelo apartamento. Ligo a tv. A imagem está pausada. Ligo o rádio e no ar ecoa somente uma nota: dó. É o meu sentimento reflexivo em forma de música uníssona, deprimente e fosca. Mas é valsa para um coração que é tratado como simples músculo cardíaco.
Me visto e saio nua pela costura das ruas, a malha das cidades. Em busca de matéria orgânica para meu corpo farto em faltas, sou como um ponto de bordado mal dado, esgarçado e estragado. Desmancho o sentido antes configurado pelas linhas doces e coloridas da cerzideira dotada de dons para fino bordado. A criação se perde, a intenção também. E eu me perco a cada esquina de gente estática e de carros parados com seus motores ruidosos ligados. Como me dói tudo isso! Caminhar entregue assim, sensitivamente multiplicada, e com um medo incomum ardendo no estômago, subindo pelo esôfago, nauseando as idéias.
Penso se é o desespero que desampara, ou o desamparo que desespera. Pois o apartamento do qual saí não passa de um barraco de papelão construído perto do túnel. O chuveiro de brilhantes gotas é a fonte de água doce e natural que vem do alto da pedra. A roupa que vesti não passa de uma variação medíocre de um moletom barato que me foi doado no Natal. Mas do que reclamar? Ainda assim tenho uma tv e um rádio, pelo menos.
Me falta tanta coisa que o mundo parece viver descompassado em sua polca particular. Desmotivada, sento-me na calçada, cansada de esmolar com verbos mal conjugados. Passo a esmolar com o olhar defunto.
Fazer do meio fio divã particular é patético mas conter os fluidos do corpo é ainda pior. Sei que meu mundo é paralelo e algo no ritmo das pessoas está errado. Não consigo ao menos ler o jornal que vela meu sono murcho de sonhos. Não consigo compreender os dialetos humanos e sinto um constrangimento absurdo, que me dói inteira. Eu não vivo. Tenho dó de mim. E como machuca essa subvida tão natural para os outros e tão dolorida para mim.

janeiro 20, 2005

Desenho

~Post by Bia~
Mais um desenho!!^^ Esse foi feito num programa legal que tem na internet, o Oekaki. Agora com as férias posso treinar mais ( oba oba!! \o/) e postar mais n_n
Beijos para as loucas do Sanatório XD e pra quem visita e gosta do que a gente faz ^3^

janeiro 18, 2005

Em-cadeando

Em-cadeando

Moto que corre em descompasso
Passo que segue sem destino
Pela estrada que não leva
Trago a dor que sempre volta
No horizonte finito que espera
Vejo o desespero dos dias de não
A vulgaridade das bocas de sim
O singelo olhar do poente vermelho
Cobrindo o avermelhar dos olhos opacos
De onde caem lágrimas secas
Que umedecem línguas ávidas
No silêncio póstumo dos corpos
Os que dançaram descompostos
Dentro do lar dos despojados
Onde via-se o abandono
Com animais humanos cálidos
De um dono surreal
A sonhar com terra e gado
Para explorar os braços bambos
De seus molambos escravos

(Priscila Coli)


janeiro 15, 2005

Erotismos natos

Erotismos natos

Quando percebi, já era a hora. Eu nua, encolhida e temerosa. Descobriria coisas novas em breve, sensações nunca experimentadas integralmente. Impressões parciais que eu havia colhido durante o tempo em que estive me preparando eram o máximo que eu sabia sobre aquela nova e excitante situação. Eu havia passado meses me preparando para aquele dia em especial, onde a simultaneidade de acontecimentos me atordoaria e me faria até chorar.
Sendo assim, logo senti as mãos masculinas e grandes, ainda assim delicadas, na minha cintura. Puxavam-me para si. E eu agia como um ser humano qualquer que teme pelo que é novo. Por vezes pensava se era hora mesmo do acontecimento.
Já tendo se iniciado tudo, não havia mais como voltar atrás. Perturbava-me ao saber que estava ali, nos braços de um homem pouco conhecido, sentindo-me ao deus-dará. Nua, e ele me dando tapinhas na bunda.
Enfim, o esperado consumou-se: gritei, esperneei. E pude sentir a gosma no meu corpo, uma gosma nojenta.
Depois de limpa, fui entregue ao seio de minha mãe. Havia nascido. Mamei assustada e pensativa.
É tão erótico nascer!

janeiro 13, 2005

Letras no papel

Letras no papel: Um bilhete para si própria

Na vastidão do pequeno escritório ausente, repousa um óculos solitário.Sobra de um momento frágil, lembrança amarga da situação que por ser presente ao correr da caneta no papel, vira passado.O livro aberto a dizer frases de nunca, estava em branco, porém existissem letras.Lembrava a continuidade que não houve.Vigésima quarta página, última vida da febril gota de sangue que manchava o papel virgem.A mesa de carvalho antigo parecia não entender justificando com os afrescos de seus pés a contorção de rugas duvidosas.O tapete opaco de pós sinistros havia calado; escondia segredos.Paredes descascadas e pilastras corroídas pelo tempo pareciam apontar um culpado.Cúmplices.Pausa de um coração que a tempos batia frenético a procura.Repouso final de um vulto gélido, a espreita e raivoso, a ansiar pelo momento certo.Forçava a pena contra o que chamava de nada, isso porque nem os suspiros ram rabiscados.A luz vacilante da luminária marfim quase duvidava do que via, tremulava qual vela acesa.E após uma noite em claro se esvaia como vento matutino.Deixava dormir o rosto com brilho de aluguel.Depois daquela noite não mais clareou.A pena parada num suposto túmulo onde jaziam denúncias vãs ao fato ocorrido, chorava em silêncio.O ser que cedia o pouco da vida que lhe restava essa noite não apareceu.Traiu os parceiros já insanos a prestar apoio e ajuda.Os livros espiavam mudos a aflição das bocas trêmulas.O vento batia na janela mas nem seu assovio conseguia entrar.O crime calcificava os olhos atentos, calava as possíveis perguntas, indagava as inesperadas respostas.Todos sabiam o que até os fios de cabelo caídos já haviam percebido, a tal levantara-se de repente sem vontade de ficar, arrumara a desordem pondo tudo naquilo que insistiam em chamar de lugar.Deixara apenas garranchos a ferir o papel.A prova do abandono, desistência de seu estado de espírito.Manchado estava:Grávida de letras e ávida por palavras que não me deixem expressar apenas em lágrimas o que seca no papel.

(Priscila Coli)

janeiro 08, 2005

Sobre lagartixas, crianças e homens

Sobre lagartixas, crianças e homens

- Fala, lagartixa..., pediu melosa a criança. O que você está fazendo aí grudada na parede, de cabeça para baixo? Não te dá enjôo ver tudo ao contrário?
A lagartixa riu. Depois de uma breve pausa respondeu, um pouco pensativa:
- Não me enjôo, nem um pouco. Não há grande diferença entre estar aí no chão ou aqui em cima, grudada. A visão é a mesma, isso eu posso garantir.
A criança confundiu-se toda. Porque estar em baixo não era estar em cima. E, sendo assim, devia haver alguma diferença. Mas preferiu dar crédito à lagartixa. Ela parecia tão simpática, tão amigável, meiga. A criança não contava com a astúcia da lagartixa em observar que sua face era uma interrogação, mesmo dando crédito às palavras do animal.
- Criança, não me olhe assim duvidosa. Vamos combinar? Você sobe aqui na parede e fica grudada; observa tudo e depois compara com as visões que tem quando está aí no chão.
A criança topou. Subiu e ficou grudada no ponto mais alto da parede, ao lado da lagartixa.
- E agora, criança?, perguntou a lagartixa. O que vê?
E com um sorriso sincero veia uma resposta animada.
- Vejo tudo igual, lagartixa, como lá em baixo! Bem que você me disse!
Enquanto a criança se divertia em ver que as coisas de ponta cabeça são as coisas que nos parecem normais, e vice-versa, seu pai se aproximou. Espantado com as gargalhadas, perguntou o que acontecia. A criança, seu filho, explicou a graça em observar que a visão era a mesma, estando ou não de cabeça para baixo. O pai mal pôde acreditar. Era impossível a visão ser a mesma. Então a criança convenceu o pai a subir e observar com os próprios olhos.
- Mas meu filho, aqui de cima vejo tudo de ponta cabeça!
A criança insistiu.
O pai continuou sem enxergar a mesma coisa.
A lagartixa ficou quieta. Compreendia tudo mas não se manifestou. O pai não escutava as lagartixas. E acabava não observando os detalhes.
A lagartixa agora te convida para subir e ficar grudado no ponto mais alto da parede. Você ouve? Você observa que é tudo igual?

janeiro 05, 2005

Post by Bia

~Post by Bia~
Bom, como nós estamos em semi-férias tá dando pra trabalhar um pouco mais XD Achei esse desenho perdido na minha apostila de biologia (huhuhu como as aulas de bio eram produtivas XD). É uma fanart da Ed (e o cachorrinho eu esqueci o nome), personagem do anime e mangá Cowboy Bebop.^^
~Kissu~

janeiro 03, 2005

Post by Bia

Post by ~Bia~
(sim, eu ainda não consegui me registrar de novo XD )
Genteee desenhinho pra vocês!!^^ Presente de ano novo!! \o/ Espero que gostem!! Aah e Feliz 2005 pra todas as meninas loucas do Sanatório e pra todo mundo que vem nos visitar!! >^.^<
~Hugs&Kisses&Love~

janeiro 01, 2005

Paródia:Tristeza em canções

Paródia: Tristeza em canções

Abriu a porta do apartamento como quem por superstição abre um cofre.Abriu a porta para conferir, para ter certeza.Queria sadicamente ver com seus olhos o fim que para ela era apenas um começo.A primeira coisa que não viu foi o tapete.Aquele com decalques coloridos parecendo um quadro de Dali.Pensou em sentir falta do lugar onde levava broncas por limpar os sapatos sujos.Mas, sabia que a saudade tinha nome e que este já não mas lhe pertencia.Notou a sujeira entupida na lixeira ordinária.Percebeu-se entupido por lixeiras de gritos.Queria esvaziar-se, embora só pensasse em vasculhar a estante de livros.E a medida que caminhava em sua direção, sentiu o vácuo interno a se igualar à ferida de histórias quase furtadas em encadernados.Um rombo na caixa forte conjugal.Carregou consigo parte de mim.Levou junto com ela o que lhe é de direito.A cadeira ao seu lado a balançar com o vento vindo pela janela, a qual ela insistia em não fechar, era uma assombração de um passado amputado.Procurava respirar sem deixar as lagrimas caírem queimando qual cera de vela.Olhou para cima como que estivesse assustado.O espelho ainda não havia sido quebrado.Ele corria o risco de enxergar a si próprio.Pleonasmo.Veria os olhos inchados de um amor pisado.Doía.Ela bateu o portão sem fazer alarde...Quero ter a certeza de que tu nunca mais vais voltar.Saiu correndo tateando portas e paredes que poderiam ser inexistentes.Queria escancarar.Abrir-se por inteiro.Exumar suas dores até que não lhe restasse os sentimentos.Chegou ao quarto de um casal findado.Não se cabia em arfadas.Vislumbrou o criado mudo onde cabiam seus pequenos mundos reais em sonhos.A boca abriu-se involuntária para gritar ao ver o cinzeiro limpo.Era como um envelope vazio com remetente.Ele ávido por explicações abriu o armário num rompante.O escândalo saiu calado; o sapato de delicados pés havia sido retirado.O sapato agora sem par.Aquele sobre o qual a música catava prantos.E na porta cravado, o resto, a sobra.A ferida aberta em palavras.Eu te amo.Ouviu a melodia nostálgica.Não mas sabia-se.Não sentia-se.E como fosse um comandado se pintou.Pintou-se como quem se prepara para vida esperando a morte.

(Priscila Coli)