abril 01, 2005

Confissão

Confissão
Olhar finito.Mente perdida.As mãos, parte mais verdadeira daquele corpo-objeto, não param o movimento frenético.Arrancam com certa raiva pesarosa o esmalte velho.Dedo a dedo.Espelho de uma alma inquieta.Alma esta, que se esvai a cada batida do coração.Como que despertasse de um sono, avista o relógio.Sem notar a hora marcada pelos ponteiros percebe que para ela já é tarde.Olha então para os lados iguais daquele cômodo procurando encontrar algo que chamasse atenção o bastante para deter seus obscuros pensamentos.As paredes eram de não.Eram brancas pálidas e opacas.Desconheciam vida e data.A transtornavam.Talvez isso lhe trouxesse aproximações obvias, porém indesejadas com o seu estar.Tenta achar em meio ao seu turbilhão de emoções teses filosóficas que pudessem tornar a cena menos subjetiva.Mas, sabe que não existem e nem ao menos adiantaria tecer proposições, pois desconhecia as palavras. Sua sabedoria e seus porquês foram atirados pela janela. Não tinha mais história.Seus sorrisos, tantos sonhos, desperdiçados em noites ébrias.A cabeça latejava.Fazia frio no lugar.Era inverno naquele ser.A mulher que não reconhecia o corpo físico que a abrigava puxa com franqueza descomunal a coberta da cama.E quando levanta o pedaço de pano na altura do rosto sente o que negava agora ter existido.Era o odor do amor que se pôs.Lembrava das noites amantes em que se sentia viva.Do calor do encontro.Lembrava do teto por onde se podiam ver as estrelas hoje pagadas.O brilho dos olhos daquela pessoa também havia nublado.Provou do sabor do nunca.Sentiu o gosto amargo da porta que bate furiosa.Essa recordação e a certeza da dor fez com que uma lágrima teimosa lhe molhasse a face.Essa gota turva gritava.Rasgava o deserto cinza de um olhar morto.Matava a impassibilidade de um ser inerte.Confessava o que o espelho tinha medo de olhar: Fazes-me falta.
(Priscila Coli)

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