maio 06, 2005

Transparências e molduras

Transparências e molduras

Mandei encomendar cortinas novas, meio bordadas e com alguns babados. Alguns diriam que era exagero meu, chamariam minha preocupação de desnecessária. Mas, desde a primeira vez que eu vi aquelas janelas, ouvi seus apelos estéticos pedindo que eu lhes encomendasse cortinas novas e lindas, que esvoaçassem ao entardecer.

A minha preocupação em vestir a entrada de luz da sala ocupou alguns dos meus dias. Saí em busca do melhor tecido, a melhor qualidade, a melhor aparência. Não havia preço que desanimasse a minha busca: quanto mais caro, maiores seriam as chances de encontrar o tecido ideal. Pagando um alto preço eu também teria minha preocupação expressa em capital e eu ficaria satisfeita.

Depois de percorrer quase toda a cidade, encontrei um tecido lindo e comprei-o de imediato. A necessidade seguinte era a de achar, então, uma costureira brilhante.

Observei anúncios em jornais, placas penduradas em portões das casas simples. Observei o boca-a-boca das vizinhas, as experiências de minha mãe, as indicações de algumas amigas. Analisei cada indicação, me preocupando em encontrar mais que uma ótima costureira: um local agradável onde meu tecido ganharia vida. Os metros de pano não poderiam ser tratados com descaso, muito menos pernoitar em um ambiente pouco aconchegante. A costureira deveria ter um ateliê especial.

Após alguns dias de buscas encontrei enfim Janaína, uma costureira simpática e velha que me foi apresentada por intermédio de toalhas de mesa bordadas com todo o capricho na casa de uma amiga minha. Janaína sorriu espontaneamente nos primeiros cinco minutos de conversa que tivemos. Essa era prova final de que eu tinha encontrado a melhor costureira para fazer as minhas cortinas.

Tive que esperar alguns dias para que a encomenda ficasse pronta. Eu sempre fazia questão de recordar as instruções que Janaína havia recebido: os bordados, os babados e as sobras de tecido que deveriam ser entregues a mim, afinal de contas, aquilo havia me valido muito.

Durante esses dias de espera não pude evitar minha atitude ansiosa de retirar as antigas cortinas, fazendo com que as janelas pressentissem o futuro próximo de suas roupagens. As cortinas velhas estavam tão desgastadas! A velhice que pendia dos tecidos já finos indicavam de leve o tempo que eu havia ficado privada de olhar pela janela. Os tecidos empoeirados aguçavam minha alergia, que não era física: tinha uma procedência distante, não era palpável. Era um pouco abstrata.

As cortinas velhas nas mãos! Tão velhas pelo uso, desgastadas ao extremo. Não conseguia me lembrar de tê-las removido da frente da janela por completo em algum dia. Dobrei-as com carinho e coloquei-as dentro de um saco. Já não mais me serviam como antes. Era hora de jogá-las fora.

Era pitoresca a vista da janela nua numa mescla dos meus anseios em vê-las cobertas. Eu podia ver o caimento do tecido bordado e com alguns babados, pendendo uma beleza elementar desde o teto até quase o chão. E quando o vento da tarde batesse, elas se moveriam como se fossem um vestido de seda leve, me trazendo algum tipo de atmosfera lúdica e inebriante. Em contraposição a essa imagem ansiosa, eu via em minha frente a linearidade do concreto que era a janela desnuda. Tão incômoda! Retangular, seca e parecendo um quadro vivo, uma pintura em movimento sem graça: pessoas apressadas andando na avenida, carros e ar poluído circulando pelo asfalto.

Passaram-se uns quinze dias de janelas transparentes até que as novas cortinas ficaram prontas. Eu estava ansiosa para ver o resultado. Logo fui buscá-las para fazer a prova em casa.

Janaína me recebeu simpática como da primeira vez. Eu lhe entreguei a remuneração e ela, as cortinas. Disse que se esforçou para fazer o melhor trabalho e eu acreditei. Fui correndo para a casa, subi as escadas do prédio onde morava esbaforida. Adentrei a sala, tirei as cortinas da embalagem que Janaína havia as embrulhado e as estendi no chão.

Como eram lindas as cortinas! Muito mais belas que na minha imaginação amadora. Perfeitas, delicadas, caprichadas. Eram cheias de detalhes que só uma observação detalhada permitiriam captar toda a graça da costura e do tecido.

Elas ficaram algum tempo estendidas pelo chão. Meu pensamento vacilava. Os quinze dias de espera com as janelas nuas me fizeram acostumar com a pintura sem graça dos dias. Cobrir aquele quadro do qual eu também fazia parte soava-me de forma bastante incômoda, porém inexplicável. Inexplicável. Talvez eu não quisesse mais ser uma personagem lúdica.

Passadas algumas horas, reconheci que todo o esforço para conseguir as melhores cortinas teria sido em vão caso eu não as usasse. Por isso tratei de as pendurar com toda a dedicação e fiquei encantada com o resultado final. Lindas. A sala parecia um palacete particular.

Por fim, para atenuar meu incômodo, não fiz como anteriormente fazia e abri as cortinas ao máximo, deixando que o quadro em movimento ficasse bastante visível.

As cortinas devem ser só um detalhe, pensei. As cortinas devem ser a moldura do quadro em movimento.

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