janeiro 22, 2005

Número de moradores de rua lunáticos aumenta. Autoridades atribuem às bebidas e às drogas.

Número de moradores de rua lunáticos aumenta. Autoridades atribuem às bebidas e às drogas.

Não acredito que o jornal veio em branco novamente. Será que não há mais notícias a serem publicadas? Essas folhas vazias ouriçam meus pêlos todos em pavor extremo e sem aparente causa. Ausência de letras, como me dói! Ausência de fotos, legendas e publicidade barata. Ausência de gente. Sinto-me com vendas translúcidas nesses olhos, anulando a tinta negra das impressões diárias. Como me dói! É como se o mundo tivesse parado. É como uma cena narrada em off. Mas não há voz, não há palavras, não há ninguém.
As gotas que despencam do chuveiro estão congeladas em fragmentos no ar. Parecem cristais puros refletindo o tímido feixe de luz que cisma em entrar pelo basculante do banheiro. São raios de luz que se esgueiram entre as bravas nuvens cinzas e conseguem perfurar minha atmosfera delgada e sem sal. Não consigo me molhar. Caminho a passos largos e desesperados pelo apartamento. Ligo a tv. A imagem está pausada. Ligo o rádio e no ar ecoa somente uma nota: dó. É o meu sentimento reflexivo em forma de música uníssona, deprimente e fosca. Mas é valsa para um coração que é tratado como simples músculo cardíaco.
Me visto e saio nua pela costura das ruas, a malha das cidades. Em busca de matéria orgânica para meu corpo farto em faltas, sou como um ponto de bordado mal dado, esgarçado e estragado. Desmancho o sentido antes configurado pelas linhas doces e coloridas da cerzideira dotada de dons para fino bordado. A criação se perde, a intenção também. E eu me perco a cada esquina de gente estática e de carros parados com seus motores ruidosos ligados. Como me dói tudo isso! Caminhar entregue assim, sensitivamente multiplicada, e com um medo incomum ardendo no estômago, subindo pelo esôfago, nauseando as idéias.
Penso se é o desespero que desampara, ou o desamparo que desespera. Pois o apartamento do qual saí não passa de um barraco de papelão construído perto do túnel. O chuveiro de brilhantes gotas é a fonte de água doce e natural que vem do alto da pedra. A roupa que vesti não passa de uma variação medíocre de um moletom barato que me foi doado no Natal. Mas do que reclamar? Ainda assim tenho uma tv e um rádio, pelo menos.
Me falta tanta coisa que o mundo parece viver descompassado em sua polca particular. Desmotivada, sento-me na calçada, cansada de esmolar com verbos mal conjugados. Passo a esmolar com o olhar defunto.
Fazer do meio fio divã particular é patético mas conter os fluidos do corpo é ainda pior. Sei que meu mundo é paralelo e algo no ritmo das pessoas está errado. Não consigo ao menos ler o jornal que vela meu sono murcho de sonhos. Não consigo compreender os dialetos humanos e sinto um constrangimento absurdo, que me dói inteira. Eu não vivo. Tenho dó de mim. E como machuca essa subvida tão natural para os outros e tão dolorida para mim.

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