janeiro 01, 2005

Paródia:Tristeza em canções

Paródia: Tristeza em canções

Abriu a porta do apartamento como quem por superstição abre um cofre.Abriu a porta para conferir, para ter certeza.Queria sadicamente ver com seus olhos o fim que para ela era apenas um começo.A primeira coisa que não viu foi o tapete.Aquele com decalques coloridos parecendo um quadro de Dali.Pensou em sentir falta do lugar onde levava broncas por limpar os sapatos sujos.Mas, sabia que a saudade tinha nome e que este já não mas lhe pertencia.Notou a sujeira entupida na lixeira ordinária.Percebeu-se entupido por lixeiras de gritos.Queria esvaziar-se, embora só pensasse em vasculhar a estante de livros.E a medida que caminhava em sua direção, sentiu o vácuo interno a se igualar à ferida de histórias quase furtadas em encadernados.Um rombo na caixa forte conjugal.Carregou consigo parte de mim.Levou junto com ela o que lhe é de direito.A cadeira ao seu lado a balançar com o vento vindo pela janela, a qual ela insistia em não fechar, era uma assombração de um passado amputado.Procurava respirar sem deixar as lagrimas caírem queimando qual cera de vela.Olhou para cima como que estivesse assustado.O espelho ainda não havia sido quebrado.Ele corria o risco de enxergar a si próprio.Pleonasmo.Veria os olhos inchados de um amor pisado.Doía.Ela bateu o portão sem fazer alarde...Quero ter a certeza de que tu nunca mais vais voltar.Saiu correndo tateando portas e paredes que poderiam ser inexistentes.Queria escancarar.Abrir-se por inteiro.Exumar suas dores até que não lhe restasse os sentimentos.Chegou ao quarto de um casal findado.Não se cabia em arfadas.Vislumbrou o criado mudo onde cabiam seus pequenos mundos reais em sonhos.A boca abriu-se involuntária para gritar ao ver o cinzeiro limpo.Era como um envelope vazio com remetente.Ele ávido por explicações abriu o armário num rompante.O escândalo saiu calado; o sapato de delicados pés havia sido retirado.O sapato agora sem par.Aquele sobre o qual a música catava prantos.E na porta cravado, o resto, a sobra.A ferida aberta em palavras.Eu te amo.Ouviu a melodia nostálgica.Não mas sabia-se.Não sentia-se.E como fosse um comandado se pintou.Pintou-se como quem se prepara para vida esperando a morte.

(Priscila Coli)

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