julho 17, 2005

Fomentar

Fomentar

Comer não come: devora.
Qual um animal doente, me lembra Juliana veados bambos de fome.
Agachada no chão, recolhe com as mãos os farelos de um dia
em que alguém foi faminto. E comeu.
Sobre pés imundos e corpo ósseo, uma carcaça triste,
vejo a menina que se precipita em choro seco e em grunhidos e barulhos.
Tudo é agonia, meio-dia, e tudo é a menina pequena e suja
(distante cria imaginativa do que um dia foi o ser humano).
Come, Juliana, um pão duro e velho mas que é pão.
A morte a come aos poucos e não lhe é nada prazerosa:
dói o estômago, dói o corpo, a cabeça nem pensar consegue; e pesa, na falta de sangue
e excessivo osso e carne fina.
As mãos são como garras sujas e penetradas de terra e triste sina:
levanta Juliana, com dificuldade física e moral, olhando para o chão
fugindo do instinto bruto e imperdoável que a faz agir com tamanha fúria.

A menina nunca pensou em sonho. Nunca dormiu a ponto de ter sonho ou deter sonho.
Faltou sono e brio; brilho bravio que a fizesse leve a ponto de levitar.
Ninguém nunca pensou ser impossível sonhar e sucumbir à simples sobrevivência.
Mas não há trilhas optativas para este tipo de vivência e Juliana, adoecida pela vida,
só vivia pensando no seguinte instante em que mendigaria comida.
Violentada. Com a pressa do tempo que corre e escorre: comida.
Abusada, ferrada, (de)caída.
Juliana se arrasta e se perde e se gasta faminta.
(Um grito):
Esconde a Juliana cadavérica! Joga Juliana para baixo do tapete.
(Sussurrando):
Toma Juliana, toma um canivete. Pega essa gilete. Consiga sua comida.
Pega essa garrafa minta prende a ser humano. Ou humana. A escolha é sua, Juliana.

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