julho 25, 2005

Ana Flor

Ana Flor

Às vezes até esquecia, e era sincero. Não pensava duas vezes e sorria. Desistia de ser bruto, e sonhava. Tratava bem as moças que encontrava, oferecia a vaga do carro nos supermercados. Deixava-se agir com facilidade e fluidez, mas isso era só quando ele esquecia.
Era muito atarefado. Fazia de tudo o tempo todo. O cansaço, então, era a maior das suas reclamações. Mas era também desculpa. Alicerçava grosseria em suposto dia exaustivo. Defendia falta de atenção dizendo que era falta de tempo. Dizia que estava emburrado por causa da vida sem ritmo que levava. Mas nada disso era, na verdade, motivo para que agisse de alguma forma desagradável.
Passou a observar melhor isso depois que conheceu Ana Flor. Quando ela lhe disse não suportar seu jeito irritado e bruto, ele parou para ponderar a situação. Mas só porque ela disse. E ele estava bastante interessado nela. Achava que ela era uma mocinha linda, de olhos enormes e convidativos, e cuja companhia muito lhe agradava. Ana Flor ameaçou ficar distante dele. Disse que não suportava gente fria e grosseira. Quase o mandou passear. Mas ele, antes, pediu um tempo para se recompor. E agir tranqüilamente.
Nos dias que seguiram após a conversa com Ana Flor ele tratou de observar como agia normalmente nas situações diárias. Reparou que não dava bom-dia ao operador do elevador. Viu que não se importava com o senhor que deixava o leite fervido em sua porta (não sabia nem como era a sua fisionomia). Terminava as conversas no telefone sempre com um “até”, nunca mandava beijos ou algo que o aproximasse da pessoa que estivesse do outro lado da linha. E decidiu esquecer do brutamontes que ele estava sendo, para poder se desligar dele e não se envergonhar tanto diante da razão imensa que tinha todo o discurso de Ana Flor.
Esquecendo, ele sorriu. Foi procurar Ana. Chegou com o coração aberto. Sentiu que era bom dizer o que vinha em sua cabeça, sem se importar se seria ridículo ou sem importância. Abraçou Ana. Levou-a para uma caminhada no parque. Queria sentir cheiro de flor e mato, fazer algo diferente.
Passou alguns dias se sentindo muito bem, sem olhar para trás, desmanchando em gentilezas. Até que chegou em um ponto em que não conseguia mais lembrar de como havia sido anteriormente. Esqueceu-se por completo das grosserias, da cara fechada, do andar pesado e da falta de paciência. Os dias, mesmo carregados de afazeres, passaram a ser agradáveis e necessários. Precisava acordar cedo e ir trabalhar, se não perdia o jeito. E assim ele foi mudando, até que se perguntou qual era o tipo de poder que a moça Ana Flor tinha para fazer com que ele mudasse tanto.
A resposta não foi imediata mas teve data marcada. Em um dia do mês de maio Ana Flor e ele se casaram. E aí ele entendeu que poder era aquele. Foi sincero, e sorriu.

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