outubro 02, 2004

Casal

Casal

Deu-me espinhos para pendurar no pescoço e pediu para que eu gracejasse com estes. Eu deveria andar harmoniosamente pelos pátios imundos da vida, como se estivesse a desfilar para uma multidão de faces sequiosas pela falha, um mosaico de gente, que goza com as críticas que faz. Recomendou que eu mastigasse os dias de fel, sempre sorrindo, imaginando que aquela pasta rançosa e amarga fosse um doce perfeito, quando na verdade não era e nunca será. Orientou que eu sentisse calada as dores de um estupro diário que violentava minhas ações e conceitos. Falou tantas asneiras que eu vivi a te omitir, como faço agora nessas construções de ódio. Mas, no final, sempre aparecia e soava mais alto dentro de minha fraqueza humana.
Mostrou-me, em suas tentativas de fazer um bem duvidoso, o lado sombrio de uma relação que nunca quis. Me fez agir como falsa, pilantra, mesquinha. Devia aceitar tudo como se fosse natural e sorrir quando meu mundo desmoronava por dentro; fingir prazer quando os gemidos eram de uma dor existencial e seguir em frente, esquecendo-me do que havia de verdadeiro dentro de mim.

Por isso não te dou o direito de reclamar que vive hoje com um ser estranho, uma mulher cheia de mágoas e de olhos que jamais brilharam. Você me construiu assim, projetando suas fraquezas nesse corpo que era seu e me ensinando como errar em todos os campos possíveis. E eu me permiti, temendo o peso de um véu branco que tornou negra toda uma vida.

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