janeiro 26, 2005

Pedido de sim a boca de não

Pedido de sim a boca de não

Assim como quem indaga o corriqueiro perguntei, “quer se casar comigo?”.Não permaneci de olhos abertos para, tentando eternizar o instante, escutar os infinitos ecos de resposta.Esta, que não veio de pronto, pois o silêncio de interrogações tomou-me por completo e espalhou-se pelo interior do automóvel.Abri aqueles que se haviam fechado instintivamente e me deparei com seu rosto estático de cera.Ela olhou para cima tentando encontrar palavras no teto do carro.Passou a língua fresca, ainda com restos da minha saliva, sob o lábio superior.Pestanejou sem lágrimas e como num súbito ressuscitar penetrou os olhos verdes na carne fria do meu rosto.“Eu não estou pronta”, disse ela com um sorriso de viés.Sem nenhum pesar olhou para frente.Olhou para estrada que nos levava à um infinito indigesto.Não sei bem qual foi minha expressão externa, mas surreal e visceralmente o universo havia começado no exato instante que tentei copular com Marília pela primeira vez.Já estava atuante quando...”não amor!Estou com enxaqueca”...Pensei, agora, em oferecer-lhe uma aspirina e depois de cinco minutos mostrar-lhe as alianças.Peças raras de ouro, passadas de geração em geração pela minha família que por um terrível acaso pensado doíam em meu bolso.Talvez lhe comprar o coração fosse uma alternativa plausível e menos vexatória.Possivelmente diria que sim e aí então eu pegaria de volta o rosto protocolar -ou seria máscara?- que havia caído com seu não eufemístico.Mas, no momento que fiz menção de pegar a caixa, ela abriu a porta e sem olhar para trás e lançou a mim um breve aceno.Disse “agente se vê”.Qual em uma cena eu joguei no ar um “eu te ligo”.Ela deu passadas largas e rapidamente chegou ao destino-casa.Fiquei um tempo a observar o portão do apartamento agora vazio de significados, percebendo que meu peito a ele se igualava e sentindo que ao contrário de você, Marília, agora eu estava pronto, sem enxaqueca e precisando das aspirinas.

(Priscila Coli)

janeiro 22, 2005

Número de moradores de rua lunáticos aumenta. Autoridades atribuem às bebidas e às drogas.

Número de moradores de rua lunáticos aumenta. Autoridades atribuem às bebidas e às drogas.

Não acredito que o jornal veio em branco novamente. Será que não há mais notícias a serem publicadas? Essas folhas vazias ouriçam meus pêlos todos em pavor extremo e sem aparente causa. Ausência de letras, como me dói! Ausência de fotos, legendas e publicidade barata. Ausência de gente. Sinto-me com vendas translúcidas nesses olhos, anulando a tinta negra das impressões diárias. Como me dói! É como se o mundo tivesse parado. É como uma cena narrada em off. Mas não há voz, não há palavras, não há ninguém.
As gotas que despencam do chuveiro estão congeladas em fragmentos no ar. Parecem cristais puros refletindo o tímido feixe de luz que cisma em entrar pelo basculante do banheiro. São raios de luz que se esgueiram entre as bravas nuvens cinzas e conseguem perfurar minha atmosfera delgada e sem sal. Não consigo me molhar. Caminho a passos largos e desesperados pelo apartamento. Ligo a tv. A imagem está pausada. Ligo o rádio e no ar ecoa somente uma nota: dó. É o meu sentimento reflexivo em forma de música uníssona, deprimente e fosca. Mas é valsa para um coração que é tratado como simples músculo cardíaco.
Me visto e saio nua pela costura das ruas, a malha das cidades. Em busca de matéria orgânica para meu corpo farto em faltas, sou como um ponto de bordado mal dado, esgarçado e estragado. Desmancho o sentido antes configurado pelas linhas doces e coloridas da cerzideira dotada de dons para fino bordado. A criação se perde, a intenção também. E eu me perco a cada esquina de gente estática e de carros parados com seus motores ruidosos ligados. Como me dói tudo isso! Caminhar entregue assim, sensitivamente multiplicada, e com um medo incomum ardendo no estômago, subindo pelo esôfago, nauseando as idéias.
Penso se é o desespero que desampara, ou o desamparo que desespera. Pois o apartamento do qual saí não passa de um barraco de papelão construído perto do túnel. O chuveiro de brilhantes gotas é a fonte de água doce e natural que vem do alto da pedra. A roupa que vesti não passa de uma variação medíocre de um moletom barato que me foi doado no Natal. Mas do que reclamar? Ainda assim tenho uma tv e um rádio, pelo menos.
Me falta tanta coisa que o mundo parece viver descompassado em sua polca particular. Desmotivada, sento-me na calçada, cansada de esmolar com verbos mal conjugados. Passo a esmolar com o olhar defunto.
Fazer do meio fio divã particular é patético mas conter os fluidos do corpo é ainda pior. Sei que meu mundo é paralelo e algo no ritmo das pessoas está errado. Não consigo ao menos ler o jornal que vela meu sono murcho de sonhos. Não consigo compreender os dialetos humanos e sinto um constrangimento absurdo, que me dói inteira. Eu não vivo. Tenho dó de mim. E como machuca essa subvida tão natural para os outros e tão dolorida para mim.

janeiro 20, 2005

Desenho

~Post by Bia~
Mais um desenho!!^^ Esse foi feito num programa legal que tem na internet, o Oekaki. Agora com as férias posso treinar mais ( oba oba!! \o/) e postar mais n_n
Beijos para as loucas do Sanatório XD e pra quem visita e gosta do que a gente faz ^3^

janeiro 18, 2005

Em-cadeando

Em-cadeando

Moto que corre em descompasso
Passo que segue sem destino
Pela estrada que não leva
Trago a dor que sempre volta
No horizonte finito que espera
Vejo o desespero dos dias de não
A vulgaridade das bocas de sim
O singelo olhar do poente vermelho
Cobrindo o avermelhar dos olhos opacos
De onde caem lágrimas secas
Que umedecem línguas ávidas
No silêncio póstumo dos corpos
Os que dançaram descompostos
Dentro do lar dos despojados
Onde via-se o abandono
Com animais humanos cálidos
De um dono surreal
A sonhar com terra e gado
Para explorar os braços bambos
De seus molambos escravos

(Priscila Coli)


janeiro 15, 2005

Erotismos natos

Erotismos natos

Quando percebi, já era a hora. Eu nua, encolhida e temerosa. Descobriria coisas novas em breve, sensações nunca experimentadas integralmente. Impressões parciais que eu havia colhido durante o tempo em que estive me preparando eram o máximo que eu sabia sobre aquela nova e excitante situação. Eu havia passado meses me preparando para aquele dia em especial, onde a simultaneidade de acontecimentos me atordoaria e me faria até chorar.
Sendo assim, logo senti as mãos masculinas e grandes, ainda assim delicadas, na minha cintura. Puxavam-me para si. E eu agia como um ser humano qualquer que teme pelo que é novo. Por vezes pensava se era hora mesmo do acontecimento.
Já tendo se iniciado tudo, não havia mais como voltar atrás. Perturbava-me ao saber que estava ali, nos braços de um homem pouco conhecido, sentindo-me ao deus-dará. Nua, e ele me dando tapinhas na bunda.
Enfim, o esperado consumou-se: gritei, esperneei. E pude sentir a gosma no meu corpo, uma gosma nojenta.
Depois de limpa, fui entregue ao seio de minha mãe. Havia nascido. Mamei assustada e pensativa.
É tão erótico nascer!

janeiro 13, 2005

Letras no papel

Letras no papel: Um bilhete para si própria

Na vastidão do pequeno escritório ausente, repousa um óculos solitário.Sobra de um momento frágil, lembrança amarga da situação que por ser presente ao correr da caneta no papel, vira passado.O livro aberto a dizer frases de nunca, estava em branco, porém existissem letras.Lembrava a continuidade que não houve.Vigésima quarta página, última vida da febril gota de sangue que manchava o papel virgem.A mesa de carvalho antigo parecia não entender justificando com os afrescos de seus pés a contorção de rugas duvidosas.O tapete opaco de pós sinistros havia calado; escondia segredos.Paredes descascadas e pilastras corroídas pelo tempo pareciam apontar um culpado.Cúmplices.Pausa de um coração que a tempos batia frenético a procura.Repouso final de um vulto gélido, a espreita e raivoso, a ansiar pelo momento certo.Forçava a pena contra o que chamava de nada, isso porque nem os suspiros ram rabiscados.A luz vacilante da luminária marfim quase duvidava do que via, tremulava qual vela acesa.E após uma noite em claro se esvaia como vento matutino.Deixava dormir o rosto com brilho de aluguel.Depois daquela noite não mais clareou.A pena parada num suposto túmulo onde jaziam denúncias vãs ao fato ocorrido, chorava em silêncio.O ser que cedia o pouco da vida que lhe restava essa noite não apareceu.Traiu os parceiros já insanos a prestar apoio e ajuda.Os livros espiavam mudos a aflição das bocas trêmulas.O vento batia na janela mas nem seu assovio conseguia entrar.O crime calcificava os olhos atentos, calava as possíveis perguntas, indagava as inesperadas respostas.Todos sabiam o que até os fios de cabelo caídos já haviam percebido, a tal levantara-se de repente sem vontade de ficar, arrumara a desordem pondo tudo naquilo que insistiam em chamar de lugar.Deixara apenas garranchos a ferir o papel.A prova do abandono, desistência de seu estado de espírito.Manchado estava:Grávida de letras e ávida por palavras que não me deixem expressar apenas em lágrimas o que seca no papel.

(Priscila Coli)

janeiro 08, 2005

Sobre lagartixas, crianças e homens

Sobre lagartixas, crianças e homens

- Fala, lagartixa..., pediu melosa a criança. O que você está fazendo aí grudada na parede, de cabeça para baixo? Não te dá enjôo ver tudo ao contrário?
A lagartixa riu. Depois de uma breve pausa respondeu, um pouco pensativa:
- Não me enjôo, nem um pouco. Não há grande diferença entre estar aí no chão ou aqui em cima, grudada. A visão é a mesma, isso eu posso garantir.
A criança confundiu-se toda. Porque estar em baixo não era estar em cima. E, sendo assim, devia haver alguma diferença. Mas preferiu dar crédito à lagartixa. Ela parecia tão simpática, tão amigável, meiga. A criança não contava com a astúcia da lagartixa em observar que sua face era uma interrogação, mesmo dando crédito às palavras do animal.
- Criança, não me olhe assim duvidosa. Vamos combinar? Você sobe aqui na parede e fica grudada; observa tudo e depois compara com as visões que tem quando está aí no chão.
A criança topou. Subiu e ficou grudada no ponto mais alto da parede, ao lado da lagartixa.
- E agora, criança?, perguntou a lagartixa. O que vê?
E com um sorriso sincero veia uma resposta animada.
- Vejo tudo igual, lagartixa, como lá em baixo! Bem que você me disse!
Enquanto a criança se divertia em ver que as coisas de ponta cabeça são as coisas que nos parecem normais, e vice-versa, seu pai se aproximou. Espantado com as gargalhadas, perguntou o que acontecia. A criança, seu filho, explicou a graça em observar que a visão era a mesma, estando ou não de cabeça para baixo. O pai mal pôde acreditar. Era impossível a visão ser a mesma. Então a criança convenceu o pai a subir e observar com os próprios olhos.
- Mas meu filho, aqui de cima vejo tudo de ponta cabeça!
A criança insistiu.
O pai continuou sem enxergar a mesma coisa.
A lagartixa ficou quieta. Compreendia tudo mas não se manifestou. O pai não escutava as lagartixas. E acabava não observando os detalhes.
A lagartixa agora te convida para subir e ficar grudado no ponto mais alto da parede. Você ouve? Você observa que é tudo igual?

janeiro 05, 2005

Post by Bia

~Post by Bia~
Bom, como nós estamos em semi-férias tá dando pra trabalhar um pouco mais XD Achei esse desenho perdido na minha apostila de biologia (huhuhu como as aulas de bio eram produtivas XD). É uma fanart da Ed (e o cachorrinho eu esqueci o nome), personagem do anime e mangá Cowboy Bebop.^^
~Kissu~

janeiro 03, 2005

Post by Bia

Post by ~Bia~
(sim, eu ainda não consegui me registrar de novo XD )
Genteee desenhinho pra vocês!!^^ Presente de ano novo!! \o/ Espero que gostem!! Aah e Feliz 2005 pra todas as meninas loucas do Sanatório e pra todo mundo que vem nos visitar!! >^.^<
~Hugs&Kisses&Love~

janeiro 01, 2005

Paródia:Tristeza em canções

Paródia: Tristeza em canções

Abriu a porta do apartamento como quem por superstição abre um cofre.Abriu a porta para conferir, para ter certeza.Queria sadicamente ver com seus olhos o fim que para ela era apenas um começo.A primeira coisa que não viu foi o tapete.Aquele com decalques coloridos parecendo um quadro de Dali.Pensou em sentir falta do lugar onde levava broncas por limpar os sapatos sujos.Mas, sabia que a saudade tinha nome e que este já não mas lhe pertencia.Notou a sujeira entupida na lixeira ordinária.Percebeu-se entupido por lixeiras de gritos.Queria esvaziar-se, embora só pensasse em vasculhar a estante de livros.E a medida que caminhava em sua direção, sentiu o vácuo interno a se igualar à ferida de histórias quase furtadas em encadernados.Um rombo na caixa forte conjugal.Carregou consigo parte de mim.Levou junto com ela o que lhe é de direito.A cadeira ao seu lado a balançar com o vento vindo pela janela, a qual ela insistia em não fechar, era uma assombração de um passado amputado.Procurava respirar sem deixar as lagrimas caírem queimando qual cera de vela.Olhou para cima como que estivesse assustado.O espelho ainda não havia sido quebrado.Ele corria o risco de enxergar a si próprio.Pleonasmo.Veria os olhos inchados de um amor pisado.Doía.Ela bateu o portão sem fazer alarde...Quero ter a certeza de que tu nunca mais vais voltar.Saiu correndo tateando portas e paredes que poderiam ser inexistentes.Queria escancarar.Abrir-se por inteiro.Exumar suas dores até que não lhe restasse os sentimentos.Chegou ao quarto de um casal findado.Não se cabia em arfadas.Vislumbrou o criado mudo onde cabiam seus pequenos mundos reais em sonhos.A boca abriu-se involuntária para gritar ao ver o cinzeiro limpo.Era como um envelope vazio com remetente.Ele ávido por explicações abriu o armário num rompante.O escândalo saiu calado; o sapato de delicados pés havia sido retirado.O sapato agora sem par.Aquele sobre o qual a música catava prantos.E na porta cravado, o resto, a sobra.A ferida aberta em palavras.Eu te amo.Ouviu a melodia nostálgica.Não mas sabia-se.Não sentia-se.E como fosse um comandado se pintou.Pintou-se como quem se prepara para vida esperando a morte.

(Priscila Coli)