dezembro 19, 2004

Fingi-dor

Fingi-dor

Depois de bebericar sua pinga matinal, volta as ruas o turvo.Vê apenas vultos.Sinuosas sombras a descrever movimentos eróticos.O andar frenético de pessoas confusas, não lhe embaralha a vista.Seu olhar transforma em paisagens o caótico ambiente.Movimentasse como um narrador.Todos o sabem, ele é a voz da estória; mas ninguém o vê.Ao caminhar não deixa rastros.Suas pegadas são de areia e vento.É silencioso e sutil, o delirante vulto das calçadas.Será que existe?
Quando lhe sobe a mente o álcool-emotivo, grita.Não se sabe porque.Seu socorro gutural se exterioriza sem tradução.É a pura expressão de sua alma que se rasga, se torce sem nunca se remendar.E por mais alto que pudesse sair a agonia, raros eram aqueles que o ouviam.O ébrio, não lhe prestavam atenção os passantes.Ele coexiste como uma exclamação muda.Seu interior infinito de interjeições é seu mundo paralelo.Sobrevive então como espécie em cativeiro.Um fantasma de passado sem presente.Uma mente cega que sente falta do que nunca viveu.Palavra em desuso.Livro esquecido na prateleira.Som de palavra surda nos ouvidos secos a escutar vacos.
Para todos, seu pseudônimo é loucura.Isso por não saberem da amoralidade de quem está só em si.Não se sabe se um dia se percebeu no mundo.Nem se os sinistros que o sentem são reais.Pois algo tão subjetivo e esquerdo não poderia ser humano.Surreal criatura sem criador.Apenas cabível em gestos frágeis e transbordantes dos corpos calados.Sai em letras que formam palavras cheias de significados inventados.Engana-se ao tentar se esconder.Mente por nunca transparecer o involuntário.Finge ser a dor que deveras ama.
(Priscila Coli)

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