setembro 26, 2004

Brincando de boneca

Brincando de boneca

Nostalgia? Talvez. A verdade era que lhe havia batido uma enorme vontade de se sentar no chão, despreocupada, e brincar de boneca. Não precisava de companhia. Podia ficar sozinha, aliás, achava que assim seria até melhor. No fundo, sabia que sozinha não estava. Brincava consigo procurando desvendar a melancolia que lhe umedecia os olhos.
Não era de hoje que sentia esse tipo de vontade. Sabia que não queria voltar à infância, caso fosse possível, mas guardava consigo um nó na garganta que lhe comprimia os olhos, gerando algumas tímidas lágrimas.
As bonecas brincavam com ela concedendo a evasão de que necessitava. Era ela quem montava as histórias a serem vividas, fingindo ser Deus, saboreando a ponta de um poder que sabia que jamais conheceria.
Gostaria de conhecer. Formularia um caminho perfeito para si. Analisaria de fora sua vida e saberia o que fazer nas situações mais complicadas. Mas, sabiamente, reconhecia que isso era uma bobagem. Sempre que planejava trilhas perfeitas a serem percorridas por suas personagens inanimadas, tudo acabava cedo demais. A monotonia se instalava na situação como um câncer, tomava grandes proporções e fugia de controle. Findava a brincadeira, aniquilava toda a graça. E ela não queria que sua vida também fosse assim. Já bastava a miserável angústia que lhe habitava o corpo nos últimos tempos.
O que lhe confortava era a certeza de que maior angústia não sentiria, uma vez que esta seria fruto de uma vida constante em todos os seus sentidos. E a vida nunca é constante. Aprendia isso todos os dias, sozinha.
Mas não tinha tempo suficiente para se confundir entre as bonecas que estavam no chão. Não tinha tempo de fugir um pouco de toda a conturbação que lhe acompanhava. O melhor que tinha a fazer, então, era levantar-se, lembrar-se dos seus trinta anos, acender seu cigarro e sair para o trabalho.

Nenhum comentário: