março 13, 2009

Da rede de sentido

Não desapega porque se firmou em uma rede. Nela eu o procuro, sem descanso. Uma vez foi uma palavra sua que o despertou em mim. Por devoção a quem me trouxe o sabor, é dela também a paixão. Está tão envolvida quanto ele nos sonhos absurdos.
Ele, por seu turno ambíguo e aflito (em mim), ressurge e se fortalece em todos os outros sabores que me desperta. Por devoção a ele, é também sua paixão a minha, a dela, e a dos demais.
E, por devoção a mim, são dois que eu sequer me deixo estar por perto.

Espera

a vontade de fumar o cigarro. está sentada no meio fio de uma rua sem asfalto - paralelepípedo. a cerveja é para já. aquele quando suspenso de aflição e do nunca. uma vez quando era mais jovem e saudável sonhou. um dia, se a chamasse Clarice teria delirado de emoção. depois passou, tanto faz. chamasse ninguém não. só pensava no cigarro. não tinha fumado antes. até. depois esperando e parecia que torridamente cairia chuva. o final do verão. águas de março. os pés meio sujos, meio podre. a roupa do dia inteiro de calor, e o cabelo. uma certa bagunça desgrenhada até dentro da bolsa. buscava a porra da carteira. que tinha sumido. uma mão ocupada com o cigarro. a outra com a unha carcomida e curta. catava catava catava. nada nada nada da carteira aparecer. o celular no bolso da calça tocou. pegou logo, três toques, sorte. alô quem é. toda cuidadosamente boa. um atraso. era perdoável. mais um pouco ela esperava. antes da chuva.
aquela rotina nova de ler os poemas e caía cinza dentro da bolsa. foi limpar, tinha Florbela. que um dia podia ter gostado de uma analogia. mas a sofridinha fumava sem sofrimento. passou, tanto faz. queria qualquer coisa de cortante, mas ler não queria. caindo cinza ainda. um nervoso começava. nunca fumara. putaqueopariu. o atraso exigia pegar a carteira. catava. achou! achou e pegou uma nota de cinco reais. passou um ambulante, pediu uma cerveja. o cigarro acabou e pegou no outro bolso da calça mais um. um sujeito lhe ofereceu o isqueiro. aceitou. na sombra que dobrava a esquiva tinha um cabelo esvoaçante. reconheceu, era familiar. mas não era a espera. voltou pro meio fio, sentou. uma trovoada. olhou pro alto, lançou fumaça. foda-se. duas trovoadas. alguns goles e mais uns minutos. três trovoadas, mas antes um relâmpago visivelmente rasgando a cidade em cima. e começou a pingar água do céu. alguém de dentro de um carro buzinou. (ele).